Newsletter - 21/02/25
- Lívia Vitenti
- 21 de fev.
- 3 min de leitura

Trilha sonora para essa edição: Vem (Além de toda solidão), Madredeus
Salve, salve,
Como vocês estão? Por aqui eu continuo pelejando com a ideia de escrever sobre o macabro, o terrível, o indizível. Mas agora uma nova questão se uniu: como escrever sobre trauma. É uma pergunta que tem me assombrado já há alguns dias.
Uma escritora reclamou, em seu Instagram, sobre a necessidade de colocar aviso de gatilho em seus livros. Um amigo reclamou que o conto que eu pedi para ele ler era sobre um fantasma, e que eu não tinha avisado. Qual é o limite disso? Eu preciso avisar alguém que meu livro contém cenas de violência física, psicológica, sexual? Preciso avisar que é sobre suicídio?
Não por escolha, mas por necessidade e circunstâncias da vida, ainda muito nova fui contratada para trabalhar sobre a questão do suicídio entre os Guarani Kaiowá. Ninguém mais queria o trabalho. Por causa dessa primeira experiência, surgiu mais de uma oportunidade de participar de projetos sobre prevenção do suicídio em contexto indígena. Me tornei assim, além de antropóloga, suicidóloga, o que soa bizarro para algumas pessoas. Esse ofício me faz pensar e pesquisar muito sobre a auto-aniquilação também em contextos não indígenas, e principalmente, me faz pensar em formas de prevenir esse evento que, como sabemos, é resultado de um profundo sofrimento, na maior parte dos casos.
A teoria do Efeito Werther, elaborada pelo sociólogo David Phillips, faz referência ao impacto causado pela publicação do romance de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther na Europa no final do século XVIII, quando muitos suicídios por arma de fogo ocorreram, justamente o método utilizado pelo jovem Werther. A associação ao livro era feita porque os jovens imitavam o personagem principal, usando calças amarelas e jaquetas azuis. Interessante dizer que o livro foi banido em diversos lugares e que todos seus exemplares foram queimados em praça pública em Milão. O que Phillips faz é colocar em evidência uma correlação entre a mediatização de um caso de suicídio e o aumento de suicídios nos dias seguintes, o que em suicidologia se chama de fenômeno de contágio.
Porém, há outro efeito, muito menos conhecido: o Efeito Papageno, que vem ganhando interesse na prevenção do suicídio nos últimos anos. O efeito é nomeado em homenagem ao personagem da ópera A Flauta Mágica de Mozart. Papageno é um pássaro que perde seu grande amor. Quando está tentando se enforcar, três espíritos da floresta o fazem lembrar de tocar seus sinos para encontrar seu amor. Papageno então tira a corda do pescoço e a peça segue. Essa história é usada como ferramenta de prevenção do suicídio porque se considera que falar abertamente e sem tabus sobre o tema é um fator de proteção. Assim como no efeito Werther, quando se publica histórias de pessoas que pensaram em se matar, mas não o fizeram, o número de suicídio diminui nas semanas subsequentes.
Tudo isso é muito interessante, e bom para pensar. Mas o que quero dizer é que, quando somos expostos a uma história triste, sofrida, nos reconhecemos nela e nos sentimos menos sós. Agora, é preciso que a história tenha um final feliz, ou de redenção? Quais são os limites de explorar minhas tragédias?
As passagens desditosas da minha vida serão discerníveis para muitas pessoas, muitas mulheres. Muitas inclusive se reconhecerão nelas. Serão gatilhos? Provavelmente sim. Mas como são as tragédias de muitas de nós, talvez isso nos faça nos sentir menos sós. De minha parte, não acho que livros tenham que ter alerta de gatilho. Traumas são traumas, e para gente como eu, falar sobre eles e saber que as pessoas me entendem, e inclusive já passaram por coisas semelhantes, me ajuda muito.
Músicas tristes nos fazem liberar dopamina, dizem pesquisas. Será que é porque vemos que não somos os únicos a sofrer?
Me despeço sem uma conclusão. Continuarei explorando dentro de mim uma resposta sobre como, ou se devo, avisar ao leitor que ele irá se deparar com um assunto que talvez não seja muito palatável.
Até breve
Lívia
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