Newsletter - 15/11/24
- Lívia Vitenti
- 15 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de mar.

Nó na orelha.
Trilha sonora dessa edição: Mariô, Criolo
Salve, salve,
Antes do Criolo veio o Chico Buarque. Foi minha primeira obsessão auditiva. Eu ouvia todos os discos, sabia cantar todas as músicas, e podia jurar que conhecia as histórias que as haviam inspirado. Era real, eu era a maior fã dele, sem dúvida. Com o passar dos anos fui aprendendo a escutar outros artistas e acabei me apaixonando pelo Milton Nascimento, pelo João Bosco, pelo Alceu Valença, pela Joyce e por aí vai. Antes do Criolo vieram todos esses, e todos tão diferentes dele.
Já deve ter dado para perceber que eu ouço muita MPB, mas me considero até bem eclética. Vou de cantautores como Víctor Jara e Sílvio Rodriguez a bandas de rock argentinas, e ainda encontro espaço para bandas como Dead can dance e Massive Attack. Ah, e tenho uma estranha mania de dormir ouvindo Shine On You Crazy Diamond. Mas rap nunca tinha entrado nessa salada musical. Foi quando vi um vídeo antigo do Criolo, em uma padaria, pedindo um pingado e alterando a letra de Cálice, que comecei a vê-lo com outros olhos. Para minha surpresa, o vídeo terminava com o Chico cantando essa outra versão de Cálice em um de seus shows. Não é de se estranhar que quem me fez me apaixonar pelo Criolo tenha sido meu primeiro grande amor.
Passei então a prestar mais atenção no rapper, mas também na história dele. Antes de ser Criolo, ele era Criolo Doido. Quis esse nome artístico para ressignificar o termo. Uma primeira exposição. É filho de cearenses, e desde cedo, incluiu em seus raps outros estilos musicais, como baião, samba e bolero. Haveria muito para se falar sobre o Kleber Cavalcante Gomes, mas essa newsletter não é uma biografia dele. É sobre como ele escreve, e porque isso é importante para nós, censuradas.
Quem me lê já deve estar bem familiarizada com o meu censor, mas eu ando escrevendo e falando tanto sobre ele, que ele já está até pensando em pedir as contas. O fato é que ao ouvir Criolo, eu ouço alguém que canta e escreve sem pudor. Em outras palavras, me assombra que alguém possa dizer: de solidão aqui jaz Kleber, na depressão Criolo caminha. E é um assombro real! Na primeira vez que escutei esse rap, que se chama Sétimo templário, fiquei me perguntando como ele conseguia usar o nome artístico e o nome real dele, em uma mesma estrofe, falando de solidão e depressão. Novamente, uma grande exposição, entre tantas outras que encontramos em sua obra.
Eu sempre me perguntei de onde meus ídolos tiravam as ideias para suas músicas. Eram suas próprias vivências, histórias de amigos, outras músicas, lendas, crenças ou a inspiração vinha da vida ela mesma, em seu curso? Lembra que falei no comecinho da newsletter que eu criava as histórias que ensejaram as músicas? Porque eu não pensava que, às vezes, a própria compositora - ou compositor - não sabe de onde tira as ideias, nem no que elas vão dar.
A verdade é que a inspiração sempre foi um mistério para mim. Eu insistia comigo mesma que, para ser boa, eu tinha que saber do que eu estava falando. Não estou me referindo a autenticidade, mas sim a ter domínio sobre algo. Sobre conseguir saber como falar o que se quer expressar, sem se expor, sem ser flagrada em alguma falta. E não me entendam mal, acho que dá para falar até de abandono e de dor de cotovelo sem se expor.
Reflito muito sobre isso, e o que sei hoje, é que o que eu escrevo melhor, é a história que eu conto para mim mesma, em toda minha falta, minhas neuroses e minhas vulnerabilidades. E principalmente, sem saber e nem querer saber como quem me lê as vai interpretar.
Então é isso, meu amor pelo Criolo - e pelo Kleber - é que eu identifico nele essa capacidade de escrever e cantar para si, para se aconselhar, para se alegrar ou para se consolar.
E como eu sou filha de Ogum, e suspeito que ele também, deixo uma das músicas que ele dedica a esse orixá para vocês ouvirem, do disco Nó na Orelha.
Até breve,
Lívia
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