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Newsletter 16/08/24

Essa semana, falo sobre língua e deslocamento, palavras que muito me definem.


Trilha sonora para essa edição: Ruído y flor, Ezmeralda


I


Em pouco mais de uma semana, me mudo de novo. A próxima newsletter assinada por mim será escrita em outro país. Os deslocamentos têm sido parte constante da minha vida há pelo menos 3 anos, o que, por algum motivo, nem sempre contribui para a minha escrita. É certo que há uma inspiração renovada, mas percebo que só escrevo com mais frequência quando estou na rotina. Quer dizer, só sento para escrever quando estou organizada.


Recentemente, numa das disciplinas da pós em escrita criativa que estou fazendo, pediram para escrevermos uma definição para palavras que nos representem. Por causa do nomadismo, escolhi língua e deslocamento.


II


Língua porque faz tempo que vivo entre três: a de casa, a da rua e a do trabalho e família. Também faz tempo que penso sobre como a língua conforma nossa forma de ver o mundo (capaz até de já ter escrito sobre isso em alguma newsletter do passado). Eu sempre verei o mar no masculino, mesmo achando lindo imaginar a possibilidade de vê-lo no feminino. De algum modo, isso faz com que eu perceba características no mar que tendo a definir como masculinas, mesmo sabendo, é claro, que gênero é uma construção social.


Minha ideia aqui não é problematizar essa questão, é apenas expor um pensamento que vem me acompanhando. Em que medida o gênero que atribuo às coisas do mundo, porque tenho o português como língua materna, guia minha escolha de palavras e objetos para a escrita de meus textos? E, mais intimamente, em que medida o português marca a forma como me relaciono com o mundo?





III


Indo mais longe um pouco, será que a língua é o que determina as semelhanças que vemos entre obras vindas de um mesmo país ou região? Quero dizer, sei que há questões culturais, para além da língua, que tornam temas, formas e poéticas mais atraentes para diferentes públicos, mesmo que falem a mesma língua. Mas tendo a achar que há alguma semelhança subjacente que sempre estará presente por força da língua.


Sou o que sou por ser brasileira, mas também por falar português, já que nomeio as coisas na língua de Camões. Também acredito que há certas ideias e sentimentos que só nos são acessíveis em uma determinada língua, mesmo que sejamos plenamente fluentes em outras. 


Faz sentido?


III


Já o deslocamento, me diz o dicionário, é a ação de deslocar ou de se deslocar. Mudança de um lugar para outro; afastamento; desvio. Em termos de sentimento, para mim, é como se cada um desses significados operasse de forma separada, em diferentes momentos.


Quando sinto saudade (e ela anda enorme), percebo o afastamento. Quando não me encaixo na nova cultura, sinto o deslocar. Quando estou indo, empolgada, para um novo lugar, me alimento da antecipação da mudança. Quando vejo que o rumo precisa ser revisto, me alegro com a possibilidade do desvio.


Em uma das acepções que criei para o curso, escrevi que deslocamento é a mudança de um lugar para outro, muitas vezes causada pelo encontro entre dois corpos. Ou pensamentos. O choque que gera uma nova forma.





IV


Juntando essas ideias sobre língua e deslocamento, busco refletir sobre as influências disso tudo no meu texto. Coleto imagens, palavras e sons em cada novo lugar. Me esforço para ver as coisas a partir de outros olhos, que enxergam em uma língua que não é a minha. 


Percebo que a polifonia e o movimento, embora não contribuam para o ato de verter palavras no papel (ou no computador), são muito interessantes para tudo o que é escrever para além de desenhar palavras e frases em uma página. Cada dia mais, aliás, vejo que o maior tempo dedicado à minha escrita se dá justamente nessas etapas de observação e imersão no e do mundo.


Então, que venha a próxima casa!


V


Antes de me despedir, queria dizer que estamos com chamada aberta para a 6ª edição da Sarabatana. Criamos uma aba chamada submissões no nosso novo site que traz todas as informações necessárias. Agora, vamos receber textos a qualquer momento e as chamadas serão, na verdade, para divulgar as datas limites para o envio de textos para a próxima publicação. Então, se você tem algum conto curto, ou um poema que você queira ver publicado na Sarabatana, envia pra gente! Lemos tudo o que recebemos com muita atenção para fazer a seleção.


Até breve!

Anna


📚Li o Just kids, da Patti Smith, nos meus dias de silêncio (prometo que ainda escrevo mais sobre isso). Confesso que Linha M é meu queridinho, mas estar em companhia da Patti é sempre um deleite.


 📚Numa viagem de trem, li Expedição nebulosa, o novo livro da Marília Garcia. Não canso de achar que ela é incrível!


📚Estou lendo The life of insects, do Viktor Pelevin. Um exercício fascinante de antropomorfismo radical para falar da Rússia pós União Soviética e de questões filosóficas profundas. Estou adorando!


Nossas newsletters são enviadas semanalmente, sempre às sextas-feiras!

 
 
 

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