newsletter-11/07/25
- Lívia Vitenti

- 11 de jul.
- 4 min de leitura

Trilha sonora para essa edição: The Ubiquitous Mr Lovegrove, Dead Can Dance
Salve, salve
O silêncio, a espera, a eternidade.
A primeira vez que experimentei o medo da eternidade eu era muito pequena. Imaginava que o chão debaixo da minha cama se tornaria areia movediça, e que, ao ser engolida, ficaria para sempre em um mundo repleto de dinossauros. Somente eu e os dinossauros.
Um pouco mais velha despertei para o esoterismo, e passei a ler de tudo um pouco: I Ching, Bhagavad Gita, Madame Blavatsky, livros sobre astrologia, runas e tarô. Eu tinha um verdadeiro fascínio por tudo que poderia, minimamente, apaziguar o pânico que sentia quando pensava na eternidade. Para mim não havia nada pior do que pensar que morrer não seria o fim de tudo, e que eu deveria continuar, uma e outra vez, até quando? Então acreditar que minha consciência evolui a partir das muitas jornadas do espírito era um grande alívio.
Passei 12 horas no aeroporto de Miami. Só pensava em poder escrever. Mas não podia, não o quanto queria. Tinha que fazer companhia pro meu filho, e haja inspiração para criar algo em meio a uma viagem tão cansativa. Eu sempre tenho essa fantasia, que qualquer momento de espera será oportunidade de escrever, mas nem sempre é assim.
É que escrever apazigua a agonia da espera.
Agora escrevo para vocês de Brasília. Para mim tudo aqui é latente, sempre foi. Não importa se nasci aqui, se fui embora daqui, é sempre aquela sensação de algo possível, mas que não se realiza. Algo incubado. Desconfio que sei porque. Mexendo em uma caixa de cartas, me deparei com muitas declarações de amor. É impressionante a força que a promessa do amor eterno exerce em nós. Naquelas cartas, a eternidade existia sim, mas não a que me angustiava, porque o que era eterno era o amor. Eu tinha 13 anos e tive a infelicidade de atrair um homem 9 anos mais velho que eu. Sim, é um absurdo, mas aconteceu. Ele se aproximou muito de mim, se declarou e logo se mudou para a Espanha, onde ficou por muitos meses.
O ano era 92 e suas cartas chegavam até mim por alguém que trabalhava no Itamaraty, se não me falha a memória. Era assim porque ele me mandava desenhos e fitas cassete nas encomendas, além de pequenos presentes. Imagino que seria caro mandar tudo isso pelo correio. Mas o que impressionava - e segue impressionando - era o teor das cartas. Em todas elas ele declara seu amor por mim, incondicional (e daí que eu tinha 13 anos?) e eterno. Nelas havia planos de casamento, planos para que em 1995 (!) eu fosse morar com ele em Barcelona, e muitas palavras de conforto e entrega.
Até que ele voltou, e não me avisou. E ficou mais de um ano sem me dirigir a palavra. Sim, aquele cara de 25, 26 anos, não conseguiu encarar uma garota de 14, 15 anos. E eu esperei. Esperei que ele se explicasse, que eu pudesse entender. E essa espera foi eterna, e foi silenciosa.
Não é a primeira vez que escrevo sobre isso, e certamente não será a última. Certa vez, escrevi o seguinte: “(...) Passados alguns meses, tornados dentro dela anos, finalmente aquele alvo que ela considerava conquistado voltou. Voltou sim, mas não para ela. Porque ele retornou convencido de que tinham vivido uma ilusão de amor, que só resistiu aos seis meses de separação porque cartas de amor persuadem quem as lê e quem as escreve. E são a base sólida para construir algo que, ainda que se termine, perdura.”
Mario Benedetti, no livro Primavera en una esquina rota, diz: “Es curioso. Cuando uno está afuera e imagina que, por una razón o por otra, puede pasar varios años entre cuatro paredes, piensa que no aguantaría, que eso sería sencillamente insoportable. No obstante, es soportable, ya se ve.”
Dizem que o quarto de santo é um útero. Eu nunca passei muito tempo dentro de um quarto de santo, somente algumas horas, esperando que minha irmã fizesse as coisas que pertencem ao mistério do Candomblé, e as quais eu não posso ter acesso. Fundamento, se diz. Eu só pensava em escrever, mas não tinha, nem poderia ter, papel e lápis. Insisto, meus tempos de espera são assim, sempre acompanhados do desejo de escrever. É como se aquele momento, espaço de tempo, estivesse sendo ofertado a mim como um presente. Um momento raro que tenho que agarrar com unhas e dentes. Mas eu sei que isso não é verdade.
É que quando escrevo, o tempo passa diferente. Parece que passa rápido, ao mesmo tempo que se expande e me mostra o tanto de coisa que cabe nele. E me mostra que ao passar, faz as coisas terminarem e recomeçarem, e cada vez mais, tenho menos medo da eternidade. No fundo, no fundo, tenho quase certeza que a entenderei.
Aprendi com a neve, com a maternidade, com as promessas vãs de amores eternos, que o silêncio, a espera e a eternidade são suportáveis. Ou melhor, são necessários. Aprendi que com os três unidos dentro de mim consigo escrever melhor. Em paz com os três consigo escrever melhor.
Por isso escrevo sobre quem já não está, mas que um dia voltará. Ou estará de novo, de alguma forma, em algum lugar. E pretendo continuar escrevendo assim.
Até breve,
Lívia




Comentários