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Newsletter - 27/06/25


Construção do último trecho da ponte Jacques-Cartier en 1929. Foto : Archives de la Ville de Montréal
Construção do último trecho da ponte Jacques-Cartier en 1929. Foto : Archives de la Ville de Montréal

Trilha sonora para essa edição: Bebe, Hermeto Pascoal


Salve, salve


Ouço Lenine dizendo que esse lugar é uma maravilha, mas se perguntando como é que faz pra sair da ilha. Não posso evitar pensar em Montréal e na ponte que vai me tirar daqui. 


Enquanto escrevo alguém passa de bicicleta (moro em frente a uma ciclovia) ouvindo Because the Night, e isso reforça minha certeza de que esse lugar é uma maravilha. Mas como é mesmo que faz pra sair da ilha? 


Segunda-feira cedo embarco para Brasília. Mas antes vou ter que passar pelos Estados Unidos. Ficar 12 horas em Miami não é algo que me deixa muito animada, mesmo que eu esteja viajando com o meu filho. Não vai ter jogo, filme, lanche e conversa suficientes para tudo isso. Mas fazer o quê? Era isso ou deixar um rim como pagamento para a Air Canada. 


Além disso, tudo o que temos escutado sobre o controle, cada vez mais minucioso, extremo, do governo do Trump sobre quem entra e sai de lá também me desanima. Até a universidade para a qual trabalho nos manda mensagens com dicas e coisas a evitar quando estiver de passagem por solo estadunidense, mesmo com passaporte canadense. E no nosso caso é só isso, uma passagem.


As passagens. A primeira viagem que fiz completamente sozinha foi para a Argentina. Primeiro passei alguns dias em Mendoza, mas meu destino era a Patagônia. Mendoza foi então, como eles dizem por lá, uma ciudad de paso, pelo menos para mim. Porque independente da definição que se queira dar, por mais que as pessoas vivam lá (como vivem em Montréal, Miami e Bariloche), Mendoza nunca passou disso, de uma passagem. Nesse tempo eu escrevia diários.


Montréal deveria ter sido uma cidade de passagem. Bom, talvez eu esteja sendo injusta. Ou incoerente. Quem planeja ficar quatro anos em um lugar não pode dizer que está de passagem. Mas para mim sim, seria uma longa passagem, mas eu voltaria pra Brasília, ou pra outra cidade do Brasil. Estou aqui há treze anos, entre idas e vindas. Quando cheguei, em 2006, escrevia cartas para uma só pessoa, e nunca pensei que alguém as leria. Em 2013, quando voltei para Brasília, escrevia artigos científicos. As cartas tinham ficado guardadas, me davam medo demais.


Em 2018, quando resolvi voltar para Montréal, as cartas se tornaram um romance, meu primeiro. O medo já não existia, tinha ficado em outra cidade. Tinha sido passageiro, uma passagem mais longa do que eu gostaria. Nesse tempo eu já sabia que o desejo de escrever era permanente.


Desde 2019 minha cidade natal passou a ser minha ciudad de paso, e minha ilha, esse lugar que é uma maravilha, o lugar para onde eu retorno. Desde então escrevo de tudo um pouco, entendendo que inspiração, motivação, desejo, preguiça, insegurança e medo são sentimentos passageiros, e que sempre, sempre, escreverei.


Montréal é a ilha para a qual eu volto. Por enquanto. Porque a despeito de tudo o que pode ser maravilhoso aqui, nada me impediu de imaginar que o Lenine estava fazendo a pergunta no meu lugar. Como é que faz pra sair? Onde está a ponte? Mora em mim, talvez muito bem guardada, uma certeza (desejo? premonição?) de que um dia eu atravessarei a ponte e deixarei para trás a bela província, e que então ela será uma cidade de passagem. Se possível, peço ao destino que essa passagem seja entre abril e outubro. Não é à toa que a poesia do Mário Quintana é tão famosa.


Será que algum dia escreverei memórias?


Até breve, 

 
 
 

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