Newsletter - 31/01/25
- Anna Davison
- 31 de jan.
- 3 min de leitura
frágil é quem está sujeito a cometer pecados
Trilha sonora para essa edição: Songs from my living room, Alaskan Tapes
I
Escrevi minha primeira newsletter em agosto de 2023, recém chegada a Buenos Aires. Hoje escrevo de novo, recém chegada a Buenos Aires, minha primeira newsletter do ano. Penso nos ciclos e repetições e em como minha escrita é afetada pelos lugares por onde vivo. Ou talvez seja melhor dizer como eu sou afetada (ou afeto) pelos lugares onde vivo.
Acabo de sair da minha sessão semanal de psicanálise em que falei muito de como há uma dimensão de desconforto que pareço sempre perseguir. Como se ela me permitisse me desconectar de questões maiores que evito acessar. Questões que são, ao fim e ao cabo, eu. A escrita é o lugar onde essas dimensões, de algum modo, se encontram e fazem com que não seja possível escapar de mim mesma.
Por isso tenho certeza de que nunca poderei não escrever.
II
Cecília Pavón diz em Nomadismo Por Mi País alguma coisa no sentido de que deseja apenas escrever um diário em um café todas as manhãs e dar oficinas de escrita todas as tardes. Acho que desejo algo bem parecido, uma vida que, como também nos lembra Pavón, seja como a literatura: frágil.
Frágil, mas não fraca. Frágil na medida em que não se propõe a se manter rígida e íntegra para sempre.
Do café onde escrevo, acesso o dicionário Michaelis online e encontro (com surpresa e gozo) esse verbete para definir frágil:
frá·gil
adj
1 Que se rompe ou quebra com facilidade; rúptil.
2 Que se estraga facilmente; delicado.
3 De pouca resistência.
4 Desprovido de vigor físico.
5 Sujeito a cometer pecados.
6 Que tem pouca duração.
7 Que não tem solidez.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Antôn: sólido.
ETIMOLOGIA
lat fragĭlis.
Me apaixono imediatamente pela ideia de que frágil é quem está sujeito a cometer pecados. Ou, em outras palavras, é humano.

III
Na minha humanidade, repito ciclos, palavras, temas, desejos, medos, lugares, sem perceber que nunca é possível repetir nenhuma dessas coisas. Justamente porque elas não têm nenhuma solidez. Me escancaram a cada segundo a verdade da impermanência, de que já falei tantas vezes por aqui.
Com a escrita também é assim, há temas que sempre aparecem quando não tentamos controlar as palavras (e os dedos no teclado). Quem me lê sabe como meus dedos sobre o teclado em algum café do mundo sempre aparecem entre as palavras que escrevo. Assim como meu desejo de poder observar as sombras que as árvores lançam sobre a superfície da rua, criando uma renda efêmera e movediça. E, por isso mesmo, bela.
Mas, é importante lembrar, esses temas que se infiltram também nunca podem ser meras repetições. São pequeninas âncoras que nos permitem reconhecer nossa própria cara no espelho, mas sempre surgem em diferentes contextos que as fazem completamente diferentes de todas as outras vezes em que se fizeram presentes.

IV
Então por que é que quis tanto que voltar a Brasília fosse possível?
Estive na casa dos meus pais por mais de dois meses e, nesse período, não escrevi mais que meia dúzia de entradas no meu diário. A única constância que tive foi ir à academia (coisa que nunca consegui fazer antes na vida). Encontrei poucas pessoas e fui a ainda menos lugares. Mas acessei espaços internos que vinha rondando nas sessões de análise há muitos anos. Foi especial como as sombras que encaro agora enquanto meu café esfria. Principalmente porque pude entender que nunca se volta a nenhum lugar. Tudo é sempre outro. Nós e os lugares. E é justamente isso que faz possível viver em lugares já antes nomeados.
Existe certeza mais bonita que essa? Tudo está sempre dançando! Fluida e fragilmente.
V
Então é isso, que em 2025 criemos, dancemos, olhemos para os lugares mutantes com olhos sem solidez. Sejamos frágeis!
Até breve!
Anna
📚Li Os Abismos, da Pilar Quintana e gostei muito. A narradora é uma criança e me convidou a pensar sobre as relações entre os abismos reais, nada tangíveis, e os abismos metafóricos, apresentados com uma limpidez assustadora e, por isso mesmo, reconfortante.
📚 Na poesia, recomendo muito muito muito dois livros recém publicados pela Macabéa: Na frente de Estranhos, da Carina Gonçalves, e Breve Ato de Descascar Laranjas, da Bianca Monteiro Garcia (que ganhou o Jabuti na categoria de escritor estreante em poesia). São livros absolutamente sensíveis e belos, em edições muito bonitas.
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