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Newsletter - 29/08/25

Entre desabafos e desejos de fuga.


Trilha sonora para essa edição: Little sun, Mira Lora e Niklas Paschburg


I


Passo horas buscando acomodações na Ásia.

Desejo antigo de escapar do familiar, ser irremediavelmente estrangeira e estranha.


Lembro que a completa incapacidade de compreender os códigos deixa tudo mais interessante, ainda que temporariamente.


Como a primeira vez que comi 

com hashi

que viajei de trem —

Brasília a Planaltina

num dia dos pais

colher jatobá

Não gostei

do cheiro mas da cor

Verde

como o pasto correndo 

pela janelinha.


ree

II


Sofro de inveja de quem vai para a Ásia. Sofro de inveja.

Releio newsletters escritas por lá, já antigas, mesmo que tenham menos de um ano.

Procuro um mapa para evitar que a vida se esgote em normalidade:


acordar,

tomar café,

trabalhar,

fazer exercício,

estudar,

ver amigos,

namorar,

almoçar, jantar,

andar um pouco,

ir ao cinema,

a um museu,

ler um livro,

tomar chá.


Não nessa ordem. Nem todos os dias.

Dias bons.

Mas que minha cabeça insiste em julgar insuficientes.


Quero sempre mais.

Quero o salto que não sei dar.


Ser pasto, verde, deslizando rápido, sem pedir licença.


III


Também na literatura quero a mágica de um trem direto a Tóquio.

Mas erro caminhos. Procrastino. Me culpo. Falta ação.

Ou sobra?


Ana Martins Marques diz:


Sempre acabo tomando o caminho errado

que falta me faz um mapa

que me levasse pela mão


Me pergunto se também queria um mapa e lembro que o pasto não precisa de mapa. Apenas corre. Salta. Se deixa ver.


Eu

me escondo


IV


Quero romper com essa cartilha e criar uma poesia que se aventure em territórios incertos, que talvez nem seja chamada de poesia. 


Mas esse desejo não é também fruto da sociedade em que me formei? Não é também seguir o mapa? 


Certeza de que não importa.


V


Li que a crise da meia-idade não 

é crise,

mas abandono:

Soltar o que não serve

para finalmente ser

o que sempre fomos,

mas mantivemos calado.


Daqui a quatro dias faço 46 e sinto que essa travessia já dura anos.

Não me aproximo da resposta sobre o meu desejo.

Talvez não haja resposta.

Talvez o que importe seja ter coragem —

viver o que se deseja

mesmo sem saber onde vai dar.


Como o trem que leva adiante,

a janelinha mostrando o pasto,

a paisagem sempre em fuga,

sempre presente.


ree

VI


É que, no fim, tudo é desejo, por isso, fecho com Adília Lopes, eterna:


L’Attente


ando com

desejos

tenho gostos

estou de esperanças

inspiras-me tanto

muso

besugo


Na minha próxima volta ao redor do sol, desejo, então, estar de esperanças!



Até breve!

Anna 


📚Sigo empacada, muito lentamente, nos 3 livros que já estava lendo ao mesmo tempo há 15 dias: La insumisa, da Christina Peri Rossi; Aliens & Anorexia, da Chris Kraus; e A Parede, da Marlen Haushofer. Sempre que empaco, leio Murakami e consigo voltar a ler com fluidez. Dessa vez, estou tentando esse recurso com o Mishima, de dedos cruzados.

 
 
 

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