Newsletter – 28/06/24
- revistasarabatana
- 28 de jun. de 2024
- 3 min de leitura
Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.
Trilha sonora para essa edição: Street Tango, Astor Piazzolla
Salve, salve!
Uma frase tem me martelado a cabeça (ou esmurrado): “la novela siempre gana por puntos, mientras que el cuento debe ganar por nocaut”, de Julio Cortázar. Antes de me aprofundar no assunto, queria trazer uma curiosidade aqui: vocês sabiam que o Cortázar era um fanático por boxe? Na realidade, são poucas as pessoas, entre as que admiram esse autor, que não conhecem essa característica dele. Afinal, ele tem mais de um conto dedicado ao tema.
Segundo ele, boxe é um esporte nobre e honesto, onde dois destinos lutam um contra o outro. É que aos 9 anos, Cortázar viveu um momento histórico para a Argentina, a derrota de Luis Ángel Firpo, o “Toro Salvaje de las Pampas”, para Jack Dempsey, no Polo Grounds de Nova York, em 1923. Cortázar conta que foi uma derrota anti-regulamentar, já que Luis Ángel deu um golpe tão forte em seu oponente que o atirou para fora por entre as cordas, quase o nocauteando. Ainda atordoado, Jack Dempsey voltou ao ring sendo carregado por trinta mãos, o que é proibido nesse esporte (o boxeador deve voltar por sua própria conta). Mas queria o árbitro que essa regra não valesse naquele dia, e o então quase derrotado Dempsey voltou com mais força, demolindo a golpes o oponente argentino. Segundo Cortázar, foi a triste noite argentina. Esse relato está no texto “El noble arte”, que nada tem nem de cronópios, nem de famas. Até hoje, em todo 14 de setembro, se celebra o dia do boxeador na Argentina.
Essa história serve para que a gente entenda o que mais há por trás da afirmação sobre a necessidade do nocaute no final de um conto, porque além dela, Cortázar também dizia que um bom contista é um boxeador muito astuto, porque seus primeiros golpes podem parecer pouco eficazes, mas na realidade estão minando as resistências mais sólidas do adversário. Como usar, então, essa metáfora, nos nossos contos?
Pensando nisso, trago para vocês uma técnica de escrita bastante difundida, chamada sistema LOCK, que foi desenvolvida pelo escritor americano James Scott Bell. Segundo ele, essa técnica agrupa alguns princípios fundamentais para o desenvolvimento de uma boa trama, garantindo a qualidade de uma obra de ficção. Notem que ele não se refere somente ao conto, e sim a qualquer gênero narrativo.
Em seu livro Plot and Structure (Enredo e estrutura), Bell analisou os enredos presentes em grandes obras, chegando, através deles, à sigla LOCK: Lead, Objective, Confrontation, Knockout.
Trocando em miúdos, Lead (liderança) se refere a todo o tipo de personagem que vai estar em destaque no desenrolar de uma trama. Pode ser um ou mais protagonistas, que por sua vez pode ter características positivas, ou seja, pode ser um herói, alguém muito carismático ou ainda alguém por quem os leitores torcem. Entretanto, esse protagonista pode ser também um anti-herói. O objetivo é criar um vínculo entre o leitor e o protagonista, colocando-o em situações que ensejem empatia ou repulsa, mas que mantenha quem nos lê atento ao seu destino.
A letra O é de Objetivo. Como está implícito, seu protagonista deve ter uma missão, que pode ser chegar a algum lugar, conseguir algo ou fugir de algo, entre outros. Deixe sua imaginação comandar.
Já o C se refere a Confronto. Qualquer situação ou cenário que coloque o protagonista em oposição a algo, ou ainda qualquer força externa ou interna que o impeça de realizar seu objetivo aumenta o engajamento do leitor.
Finalmente o K é para Knockout (nocaute). O final tem que ser assim, impactante. Segundo essa técnica, devemos oferecer ao leitor uma conclusão satisfatória, que repercuta.
Bom, como eu já mencionei em outras ocasiões, sou um pouco cética para fórmulas. Prefiro ler e reler Cortázar, além de outros, que me podem inspirar. Quem sabe é explorando nossa própria criatividade que podemos deixar nossos leitores na lona?
Até breve,
Lívia
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