Newsletter – 26/07/24
- revistasarabatana
- 26 de jul. de 2024
- 3 min de leitura
Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.
Trilha sonora para essa edição: Maracatu, Egberto Gismonti
Salve, salve!
Vou contar uma pequena história para contextualizar: há muitos anos, conheci um escritor tão ou mais apaixonado do que eu pelo autor argentino. Estávamos trocando textos e impressões, e numa dessas ele me mandou um conto que parecia, de fato, saído de um livro de Cortázar. Lembro perfeitamente da minha reação, que pendia entre admiração e dúvida. Afinal, eu tinha gostado do conto, mas me perguntava onde estava o meu amigo naquelas palavras. E foi isso que eu lhe perguntei. Recebi uma resposta simples, que somente hoje compreendo. Meu amigo se dizia apaixonado pelo fantástico na literatura. Mais que isso, ele afirmava que tinha pensamentos iguais aos do Cortázar justamente porque não acreditava em realismos ingênuos, mas que sabia que, ao ter esse autor como inspiração, seria possível chegar a uma linguagem definitivamente própria. Um pouco dúbio? Para mim pareceu, no momento. Afinal, como seria ter pensamentos iguais a de um autor consagrado, e ao mesmo tempo ter uma voz totalmente própria? Infelizmente perdi contato com essa pessoa, mas espero que ele esteja por aí, em algum lugar do mundo, escrevendo como ele achar melhor.
Lembro de não ter dado muita importância para aquela resposta, mas algo dela restou em mim, todos esses anos. Naquela época, eu estava dedicando toda minha atenção aos meus estudos em Antropologia, e escrevia ficção como um passatempo. Tinha aspirações na escrita, mas na escrita não-ficcional. Não faz muitos anos que comecei a ambicionar tornar meus escritos ficcionais em algo mais profissional. E é por isso que passei a refletir muito onde me encontro com minhas influências, e onde me encontro comigo mesma. E hoje entendo porque guardei numa caixinha da memória essa interação com meu amigo escritor.
Hoje também me é mais evidente que cada um vê, e escreve o mundo, com sua ótica, mesmo quando esta ótica sofre influência direta de outros. Acredito que ler e reler nossos autores preferidos, se abrir para novos escritores, sublinhar frases, anotar palavras – e inclusive fazer uma releitura de alguma obra que admiramos – sejam exercícios imperiosos para as produções artísticas.
E mais, prestar atenção aos detalhes, identificar as palavras e as imagens que mais se repetem na obra do autor que estamos estudando, aguça nossa percepção e nos ajuda a esmiuçar o modo de narrar dele. Escrever é um exercício de leitura também, e quanto mais lemos, quanto mais diversificamos estilos de escrita com os quais temos contato, mais treinamos nosso olhar para os detalhes das narrativas e nos abrimos para jogar com o nosso próprio estilo. Essa exploração colabora com o desenvolvimento da nossa própria voz narrativa.
Por isso, abracei com carinho meu Cortázar interior, invoquei minha Lygia Fagundes Telles, e fui muito complacente com a minha tendência pessoal a escrever sobre o fantástico e o insólito. Estou concluíndo o conto, após a leitura atenta de algumas pessoas em quem confio muito, e pretendo mandá-lo para a seleção. Volto no futuro para contar o desfecho para vocês.
Me despeço indicando o livro A um passo, da autora carioca Elvira Vigna. A própria autora se declarava uma apaixonada pela peça A Tempestade, de Shakespeare, e afirmava que foi sua maior fonte de inspiração para o livro. Ler esse livro é também penetrar em um estilo narrativo não muito convencional, uma vez que a obra pode ser lida como uma narrativa composta por capítulo curtos, ou como uma série de contos autocontidos, mas que se articulam entre si.
Até breve,
Lívia
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