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Newsletter – 26/04/24

Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.

Trilha sonora para essa edição: Poem about death, Agnes Obel

I

Constância. Responsabilidade. Desejo. Medo. Morte.

Acho que se fizesse uma nuvem de palavras das minhas últimas sessões de psicanálise, essas seriam as palavras maiores. Grandes como elas de fato são. Por aqui, ando repensando as prioridades, tentando entender quem eu sou e o que desejo e o lugar que as pessoas e as coisas ocupam na minha vida. Isso inclui, é claro, a Sarabatana, a escrita, o trabalho que paga as contas. E essas contas também.

Escrever essa newsletter de hoje me demandou um esforço maior do que o de costume, justamente porque tenho tido a sensação de que me encho de responsabilidades para não ter que olhar para o que desejo, para o que sou agora. Ou melhor dizendo (e aproveitando a beleza que é nossa língua), o que estou agora.

Desde menina, tento equilibrar as bolinhas do que é o que eu acho que socialmente é esperado de mim e do que eu desejo profundamente. Lembro de um episódio prosaico em que cismei de ir para a praia de camisola. Minha mãe achou absurdo, mas cedeu (não sem antes muito protestar). Eu, apesar do desconforto que devo ter sentido ao ter a camisola molhada grudando no corpo e dificultando os movimentos na água, guardo na memória uma sensação de liberdade ímpar. Por mais pequeno que pareça esse movimento de permissão para a vivência do desejo, é essa Anna que eu ando querendo encontrar. A Anna livre.

II

A experimentação, a esquisitice, o artístico, o que sai da norma, sempre me encantaram. São as pessoas incomuns que eu olho com uma pontinha de inveja. São os homens com alguma estranheza que me atraem. Não deve ser a toa que, na literatura e em todas as formas de arte, sempre me interessei pelo disruptivo, pelo novo, pelo que não é feito para massificar o pensamento daquele que faz a obra completar seu ciclo: o espectador. Paradoxalmente, ainda busco âncoras que me aterrem à normalidade.

Recentemente, falei aqui sobre o desejo por uma vida mais simples. Talvez seja preciso complementar que desejo uma vida mais criativa, sem os penduricalhos sociais que fazem com que eu seja só mais uma consumidora. O que também me leva a pensar no nosso público aqui na Sarabatana. Quem são as pessoas que nos acompanham, o que é que elas desejam, o que faz com que elas sintam arrepios? Ou mais, quem são as pessoas que eu gostaria de atrair para perto, tão perto que elas nos ouviriam sem o uso de um megafone?

Não tenho as respostas para isso ainda, mas quis compartilhar esse gérmen de mudança que sinto estar rodopiando na minha cabeça.

III

Recentemente voltei a meditar.

Pensei em deixar essa frase solta, flutuando aí embaixo do número III. É que ela diz muito sozinha. Diz desse momento de me voltar para mim, de observar minha própria respiração e o que se passa no meu corpo e entre meus pensamentos. Na minha prática, faço o exercício de escanear o corpo, como se uma luz entrasse pelo topo da minha cabeça e fosse passando por cada pedaço de mim, do nervo óptico à unha do dedinho do pé. Esses dias, me concentrei na sensação que tinha nas gengivas. Quentes. Depois tive um insight de que se conecta a um desejo profundo de morder a vida. De saborear e deglutir tudo o que posso. A verdade é que tenho pensado muito que farei 45 anos em setembro e quero muito sentir que vivo, não apenas me ocupo dia após dia para não ter que sentir. 

Sentir é bom!

IV

Tão bom que achei que essa frase, sim, poderia só flutuar em cima do IV.

Repito para convencer a mim mesma. Mas também tento lembrar que, para sentir, é preciso estar presente. É preciso ouvir o que dizem corpo e cabeça. E que corpo e cabeça não são separados como pensamos no mundo ocidental. Só assim serei capaz de encontrar a Anna livre, a Anna que, vira e mexe, me permito deixar espiar o mundo quando ninguém mais está olhando. Essa é a Anna que escreve. Se ela fica guardada no escuro do peito, travo.

V

O livro que estou escrevendo agora tem como espinha dorsal a maior dor que já vivi, a perda do meu irmão há quase 18 anos. Tem sido um processo difícil, porque, apesar de só saber escrever de mim e de forma muito intimista, há lugares que custo a querer revisitar. Mesmo que esses lugares sejam alegres. É como se me permitir falar do alegre em meio ao reviver da dor tornasse a dor maior. Além do quê, as memórias são sempre fragmentadas, picotadas, enevoadas. Tudo não passa de uma grande invenção criada por mim mesma para aprender a navegar a vida. No que, sei, sou igual a todo mundo.

VI

Em meio a todos esses vendavais internos, estamos reestruturando o site da Sarabatana e criando projetos que nos façam chegar mais perto de quem queremos do nosso lado. Fiquem por aqui, vem coisa boa por aí.

VII

Essa semana, numa das aulas da pós em escrita criativa que estou cursando (na PUC Minas, para quem fica com curiosidade), escrevi um textinho que deixo aqui sem revisão, como uma foto sem filtros nesse mar de fotos editadas que vemos nas redes sociais:

Mu é o ideograma único na lápide de Yasujiro Ozu
flutuando no nada
que desenha
o silêncio das sombras
Uma pinta recém-nascida na palma da minha mão
presa entre duas linhas
que dizem
o futuro dos anos
Escrevo como quem desenha sinais
Ou ideogramas
No espaço entre uma respiração e outra
como o que cabe entre as sobrancelhas
Sinto que é preciso apreender os mapas
que carrego
nos olhos escuros
como as mãos magras e secas
que não posso parar de olhar
Reparo nos dedos se mexendo sobre o branco
Busco cicatrizes
Encontro o nada
  

.

📚 Li Puro, o último livro da Nara Vidal publicado no Brasil. Que livro! Nara explora um formato inovador, meio prosa, meio teatro, e nos tira o fôlego ao nos contar do movimento eugenista no Brasil através das histórias entrelaçadas de personagens potentes, vivendo em uma pequena cidade imaginária de Minas Gerais. Dos melhores livros brasileiros que li nos últimos tempos.

📚 Também li essa semana We have always been here – a queer Muslim memoir, da Samra Habib, uma paquistanesa que imigrou para o Canadá ainda criança e que conta de sua infância no Paquistão, adolescência e juventude no Canadá, entre as dificuldades de ser de uma minoria oprimida em seu país de origem, aquelas da imigração e do reencontro do islamismo em meio à descoberta da própria identidade queer. O livro, que ganhou prêmios e foi um best seller no Canadá, tem um formato bastante tradicional, mas ainda assim conseguiu me prender.

📽 Assisti à série Wanderlust, já antiguinha, mas excelente! A história se centra no relacionamento de um casal de meia idade, com filhos entre adultos e adolescentes que, em face de uma queda na atração sexual mútua, decide abrir o relacionamento. Toni Collette no papel da mulher, uma psicóloga que lida com seus próprios fantasmas, está muito bem. A série tem diálogos maravilhosos e uma leveza que em nada tira a seriedade dos temas ali abordados.

É isso!

Bom final de semana e até breve!

Anna

 
 
 
 

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