Newsletter – 21/06/24
- revistasarabatana
- 21 de jun. de 2024
- 4 min de leitura
Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.
Trilha sonora para essa edição: Experimental Mix, playlist do Spotify
I
Nas duas últimas semanas escrevi pouco. Estou dando um respiro para o meu livro (não sem sofrimentos) porque percebi que ele não estava mais fazendo sentido para mim da forma como as coisas estavam evoluindo. Comecei um projeto que não vingou de escrever um poema por dia. Revi textos antigos. E pensei muito. Sobre como opera a criatividade, sobre o que quero da minha escrita, sobre o prazer da leitura. É que, cada vez mais, sei que gosto mesmo é de ler. O problema é que venho me tornando muito crítica. Basta o uso de um pretérito mais-que-perfeito para eu começar a ter preguiça do livro. Uma metáfora batida? Sinto arrepios!
Pensar sobre isso me faz querer entender o lugar da beleza, da perfeição e, porque não, da rigidez, na minha vida. A verdade é que tenho me sentido endurecida. Aferrada demais a parâmetros que eu criei para mim mesma, buscando um ideal que nunca vou poder alcançar. Não porque eu sou eu, mas porque a perfeição não existe e é no deslize que mora a surpresa. E, como bem sabemos, sem surpresa, não há espaço para o novo e, consequentemente, para o exercício da criatividade.
II
Ainda assim, adoro escrever com restrições. Me empolgo com exercícios de escrita que propõem regras claras. Escreva sobre uma obsessão, não use adjetivos, crie um processo único para sua própria escrita, são comandos que fazem meus dedos tremerem de vontade de registrar palavras.
Por isso mesmo, ando curiosa com exercícios de escrita não-criativa, ou de apropriação. A ideia de usar textos, falas, imagens de outros, para produzir meus textos, paradoxalmente, me parece ser o que há de mais criativo em termos de escrita.
Ao menos hoje.
III
A ideia do projeto de escrever um poema por dia veio na esteira de ver Paterson pela segunda vez. Meu plano era acabar as anotações no meu diário com um poema. Alguma coisa que representasse o humor daquele dia. Uso a palavra representar, aliás, porque também tenho pensado sobre como o texto é uma representação (parcial) do mundo. Como uma fotografia, uma pintura, ou uma música. Nesse sentido, não deveria haver compromisso com a verdade, mesmo quando a escrita é de si.
Aliás, o que é a verdade? E quanto tempo ela dura?
Ao invés de escrever um poema, tenho fotografado flores.
IV
Não sei se você se lembra, mas recentemente comentei que estava finalmente me libertando do desejo de escrever uma narrativa longa, em formato tradicional. Acho que esse movimento nasce também de perceber que a leitura de narrativas longas, embora me agrade e me embale nas horas de descanso, não é a que mais me instiga. Como alguém que se percebe tão tardiamente como quem gosta mesmo é de ler (de verdade, queria mesmo poder só ler nessa vida), admito que o que mais me fascina hoje é o jogo com a forma.
Nessa linha, a história não é o que mais importante, mas a forma como ela é contada. É por causa dessa descoberta que tenho buscado me convencer de que não devo semelhança com minha vida real a ninguém. Em outras palavras, posso escrever sobre mim (que é a única escrita que sou capaz de fazer hoje) sem ter que me atentar à verdade dos fatos. Até porque eles só são verdades na memória que construí sobre eles. Uma memória que, por definição, é ficção.
Ao usar textos de outras pessoas para falar de mim, sinto que posso até chegar mais perto de uma verdade possível. Não porque esses textos já dizem o que penso como verdade hoje, mas porque eles me obrigam a dialogar com verdades que andam cristalizadas demais.
V
Em outras palavras, talvez o que eu queira seja poder ser mais flexível comigo mesma. Me permitir não seguir uma rotina de forma tão rígida, comer mal de vez em quando, dormir tarde, ler livros ruins, me abrir para a possibilidade de criar memórias. Parar de fazer da vida um cálculo matemático.
“Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente (…) É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria — e não o que é.”, como já nos disse a deusa Clarice. É preciso ver o avesso, onde mora a verdade, o que quer que ela seja.
Mintamos mais. Criemos!
VI
Deixo aqui um dos poemas dessa semana:
o tempo se arrasta enquanto
quatro estações passam
apressadas pela janela
meu corpo faltante
envelhece anos em uma mesma
tarde de chuva enquanto
você está longe andando em algum jardim suspenso
onde bate o sol que iluminaria as rugas do meu rosto
aos 70 anos que é quando o tempo
para e se firma
como um ovo sendo cozido em água fervente
a mesma em que me banho enquanto
te espero
Até breve!
Anna
📚Terminei de ler Outline da Rachel Cusk (que só ontem descobri que foi lançado no Brasil com o título Mérito). Gosto de como ela usa histórias que nos são apresentadas como sendo de outras pessoas para construir a narrativa. É um livro de muitas camadas. Agora quero ler os outros dois da trilogia.
📚Li também Red Doc, da Anne Carson, uma espécie de continuação de Autobiografia do Vermelho, em que as mesmas personagens aparecem com novos nomes. É uma leitura complexa, mas, como tudo da Carson, amo!
📚Essa coisa viva, da Maria Esther Maciel, foi outra leitura dessas duas semanas. É um livro interessante, porque é uma carta da narradora para a mãe morta, mas não me prendeu. Acho mesmo que não gostei.
📽Comecei a assistir the Bear. A série tem um ritmo super acelerado, que nem sempre me atrai, mas se passa no universo da culinária profissional, uma das minhas grandes paixões. Acho que promete!
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