Newsletter – 20/10/23
- revistasarabatana
- 20 de out. de 2023
- 4 min de leitura
Trilha sonora para essa edição: Brain food – playlist do Spotify
I
Buenos Aires está cada dia mais quente. Para mim, os dias de sol funcionam como garantia de alegria. Ou funcionavam. Há semanas não tenho conseguido produzir como gostaria. A escrita parece já não fazer parte dos meus dias. O sofrer, sim. Comecei a pesquisar sobre os processos criativos dos outros. Num quase desespero que só quem sofre de hiperfoco há de entender, leio dicas e mais dicas sobre como desbloquear a criatividade. Mas é mesmo em uma sessão de terapia que a ficha cai. Preciso de rotina! (Jura??? me perguntaria qualquer um com mais noção de si mesmo do que eu).
Logo eu, que sempre achei que a rotina era a morte da minha criatividade. Também descobri que preciso de exercício físico para me sentir em casa. Talvez porque a única casa que verdadeiramente temos (e lá vem mais clichê) é essa de carnes e ossos em eterna corrida rumo ao fim. Mas mais que precisar me sentir em casa (o que nem sempre é fácil quando se muda de país a cada seis meses), percebo que para produzir, preciso não estar tanto no espaço do mental. É na odiosa máquina adutora da academia que me vem a luz. É que é preciso respirar enquanto se contam as repetições. Em outras palavras, é preciso estar presente.
(De um domingo de sol no parque do Lago de Regatas)
Observo já faz tempo que quando entro numa espiral sem fim de pensamentos (que me parecem muito conexos) tenho como resultado uma desconexão de mim mesma. É como se o tempo passasse ainda mais acelerado do que sempre. Vejo tudo meio em névoa. E apenas sigo. O primeiro sinal é parar de cozinhar. O segundo, parar de dançar com meu próprio reflexo na janela. O terceiro é o não poder escrever.
Pronto! Me vejo como uma grande farsa. Grande escritora essa que passa meses sem verter uma única linha no papel. Até que volto a fazer yoga, ou percebo finalmente que os músculos movem não apenas o corpo. Chego em casa com ganas de cozinhar. Vou dormir e acordo com histórias prontinhas que me fazem pular da cama. Voltei!
II
Estou assistindo aos poucos, como se fosse uma série, as quatro horas do podcast do Lex Fridman com o Robin Hanson (https://lexfridman.com/robin-hanson/ – em inglês), sobre aliens e o povoamento do universo. Ainda não cheguei nem na metade, mas as informações sobre quem somos que já pude tirar dali são muito interessantes.
Uma delas, que achei que cabia compartilhar aqui, é a de que estamos voltando a nos permitir sermos guiados por ideais mais próximos daqueles dos nossos ancestrais caçadores/coletores, que daqueles dos fazendeiros que nos tornamos quando viramos sedentários, ou dos que passamos a ter com a revolução industrial. Para Hanson, o desejo de viver de maneira mais comunitária, tomando decisões em conjunto, vivenciando mais lugares e experiências e compartilhando de um senso de propriedade menos arraigado, seria o rumo que parece querer tomar a maior parte das pessoas hoje.
Paradoxalmente, ainda segundo ele, essa postura paz e amor que muitos de nossos pais já defendiam nos anos 60 representaria uma potencial desaceleração do nosso ímpeto de colonizar o universo. É que em um mundo em que a competição não é um valor a ser perseguido, o motor colonizador fica meio sem combustível. Por outro lado, em um mundo menos competitivo, diz Hanson, há mais tempo para viver sem o foco na produção e, consequentemente, para o florescimento das artes. Nesse sentido, para nós que temos o desejo de viver de nossas criatividades, me parece que é importante (re)pensarmos o conceito de produtividade.
E, sim, admito, estou aqui tentando apaziguar meu incômodo com não estar escrevendo como gostaria. Rsrsrs!
III
Hoje ainda devo acabar o livro da Carol Bensimon “O clube dos jardineiros de fumaça”. Quando estou gostando muito de um livro, fico tentando adiar o fim. Leio a conta-gotas, tentando deixar algumas linhas a mais para os dias seguintes. Mas acho que, mesmo assim, de hoje não deve passar. Já sinto saudades de Mendocino.
Acho que já mencionei em outra newsletter, mas esse é o segundo livro dela que leio. Me dei conta de que suas personagens principais, para mim, têm uma tristeza primordial com a qual me identifico demais. Nos dois livros (nesse e em Diorama), as personagens estão vivendo como querem agora, mas trazem dores do passado que não as deixam realmente em paz.
Talvez isso seja verdade para quase todos nós, mas vou me permitir achar que minha melancolia tem algo que seria só minha, não fosse a habilidade da Carol (e vou ser íntima aqui porque, como também já disse antes, queria ser amiga dela) de carregar os protagonistas de suas histórias dessa sensação pegajosa de misto de não pertencimento e busca por alguma coisa que nos transcenda.
Quando crescer, quero ter a capacidade de pesquisa dela também! É que eu sempre acho que, mesmo sendo antropóloga (ou talvez por isso mesmo), me falte pesquisar mais a fundo para a construção de minhas histórias. Quem sabe assim eu consigo escrever textos que não sejam tanto sobre mim mesma?
IV
Daqui exatamente uma semana vou para um retiro de escrita, em Salta, aqui na Argentina. Passarei seis dias com outros escritores e espero muito, muito mesmo, desbloquear e trazer insights interessantes para minha próxima newsletter.
Até lá, desejo que os dias por aí sejam leves e cheios de criatividade!
(Mapa disponível no site do hotel em que vai acontecer o retiro)
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