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Newsletter - 19/09/25


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Trilha sonora dessa edição: Ausência, Itamar Assumpção, Bandaísca


Um dos melhores exercícios para minha saúde mental é escrever o que estou sentindo. Nessas horas eu não me importo se o que produzo é bonito, poético, instigante. Eu simplesmente coloco pra fora, como se estivesse em uma sessão de análise. É interessante notar como, em geral, gosto do que eu leio, depois do momento de desabafo. Inclusive, falando em psicanálise, o meu analista sempre afirma isso: quanto mais eu produzo sem parar para me reler, mais prazer eu vou ter em criar. 


Pois bem, há cerca de dois anos, recebi a visita - que depois se mostrou indesejada - de uma antiga paixão. Antiga mesmo, porque desde 2004 ele deixou de ser uma paixão para se tornar um colega de profissão. Desde então, o vejo de tempos em tempos, em algum concurso ou congresso. Não mantenho contato, não me interesso pela sua vida, e ele também não parece se importar com a minha.  


Mas aconteceu que no final de 2023, calhou dele estar no Canadá. Como ele tem amigos que moram em Montreal, acabamos nos encontrando. Eu realmente não apreciei esse encontro, e escrevi o seguinte: 


“Quando ele chegou com a notícia, pouco restava dele em mim. Mesmo assim, eu chorei. Assim, no bar, na frente de todo mundo. Ele disse que não tinha sido por mim, a separação. Também pudera, nunca tinha sido sobre mim. Nada. Mas ainda assim pareceu importante para ele me avisar, frisando que sabia que para mim talvez não significasse mais nada, a separação. Ele sabia que eu não o amava. Que provavelmente eu nunca o tinha amado. Nenhum amor de verdade desaparece assim, só porque outro apareceu, e pareceu mais forte. Mas havia algo naquela relação que nos superava. Não era sobre nós. Não era sobre mágoa, nem paixão, nem sobre a mudança ou o começo de algo. A notícia não foi um sim nem um fim. Nem sobre o azul ou o vermelho do amor. Mas ainda sim eu chorei e ele quis me contar. No meio do bar, bêbado. Sem aviso, sem continuidade. Dois corações alinhados sabe-se lá como e onde. 


Talvez eu chorasse de alívio. De esperança. Ele era então livre. De que? De quem? Quando eu o conheci, ele me encheu de inspiração, me sacudindo com um só olhar. Nem toque precisou. Um olhar, e um desejo. Mas quando ele chegou, não chegou sozinho. Nunca escondeu isso. Vinha com ela, e por ela eu tentei não amá-lo. Por ela eu corri das respostas. Ou das perguntas. Devo dizer que não fui muito exitosa nessas empreitadas. Talvez no não amar sim, ou no não amar o suficiente. Talvez eu esperasse por ele, e por isso sabe-lo só foi tão intenso.


Mas quando soube, o que me consumia já não era mais sobre ele. Quem ardia em mim não era ele.  E o que eu ardi por ele, queimou em vão. As palavras - nem essas - já não eram para ele. A espera já não era por ele. Porque eu tinha fechado a porta e ele tinha ficado do lado de fora. Porque eu tinha sido presa, porque eu tinha sido objeto de desejo, mas agora quem não se interessava mais por ele era eu. Porque muito antes eu já tinha partido, deixado para trás aquela atração de cobra por sapo. E quanto mais longe eu ficava, mais longe eu queria estar. E porque em todas as vezes que eu calei, foi melhor assim. Sabia dizer melhor as coisas com o meu silêncio. Minhas palavras desabavam, pedreira em abalo sísmico. Metiam medo. 


Um dia eu finalmente olhei pra frente, segui adiante. Na hora do maior perigo eu escapei, segurei o jogo. Quem quis me dizer foi ele. Sem me dizer porquê. Supondo que eu entenderia. Supondo que eu decifraria o que ele me dizia. 


Hoje ele chega em um lugar que não é dele e eu o odeio por isso. Lhe mostro que não há nada aqui, e penso que bem que ele podia sumir da sala da minha tarde vazia, como no reverso da poesia.”     


Escrevi isso e, coincidentemente ou não, nunca mais nos encontramos. Eu poderia dizer que sou indiferente a ele. Não seria totalmente verdade. Mas volto a afirmar que não é porque há interesse, que isso é necessariamente algo bom. 


Nunca mais o vi e pode ser que seja assim porque as palavras tem realmente força. Pode ser que eu soube dizer não, de uma vez por todas. Mas não importa o motivo, importa que eu fui capaz de escrever essa newsletter pra vocês.


Até breve, 


Lívia 

 
 
 

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