Newsletter – 19/07/24
- revistasarabatana
- 19 de jul. de 2024
- 5 min de leitura
Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.
Trilha sonora para essa edição: KCRW MBE Session, Fabiano do Nascimento
I
Vou publicar um livro. Repito, vou publicar um livro.
Poderia escrever aqui sobre como é ser selecionada por uma editora, sobre a bolha do mercado editorial, sobre como se dá o processo de publicação depois da seleção, mas quero falar da emoção.
Chorei. Alto. Meio gargalhando.
Nunca tinha chorado de alegria. Sempre tive certa inveja das pessoas que choram em momentos de felicidade. Me perguntava se as lágrimas de alegria teriam gosto diferente das lágrimas de tristeza. Se seriam menos ardidas contra a pele da bochecha. Se seriam seguidas de mais ou menos ranho. Descobri que elas são mais como um processo invertido de chorar de rir.
Foi assim: primeiro li e reli o email que me dizia que eu tinha sido selecionada, que meu livro era lindo, que queriam publicá-lo em três meses. De repente, comecei a soluçar, chorar e rir. Tudo misturado. Tudo enquanto pulava pela sala com o email aberto no celular apertado na mão suada. Obrigada pela graça alcançada, Editora TAUP!
II
Passada a euforia, as muitas ligações – pros pais, pro irmão, pro amigo que fez uma excelente leitura antes que eu enviasse para a editora, pro companheiro que, excepcionalmente, não estava trabalhando de casa quando recebi o email – veio a urgência. A edição final, a inclusão ou não de imagens, as (muitas) releituras, a decisão de contratar alguém para a preparação do texto. Eu não sabia, mas é também nessa etapa que se termina um livro.
Aprendi rapidamente, naquela manhã, que a finalização da escrita de um livro se dá múltiplas vezes: quando terminamos a escrita, quando terminamos a primeira revisão, quando reescrevemos a partir da leitura de outras pessoas, quando terminamos a revisão final para a impressão e, mais importante, quando o livro está no mundo e as pessoas leem. Não vejo a hora de poder sentir essa última finalização. A única sobre a qual não tenho nenhum poder de ação.
III
Escrever é entrega.
IV
Escrever é arrancar a própria pele e subir numa lâmina de microscópio para que qualquer um possa ver como se dão seus processos vitais. É caos. É dança. E é lindo!
Mas também não acontece exatamente como e quando a gente quer.
Estou completamente imersa na preparação do manuscrito final, a campanha de pré-venda começa dia 24/07 (comprem aí, ajudem essa escritora aqui), e não tenho conseguido escrever mais nada. Nem meu diário. Nem essa newsletter. Rsrsr! Também li bem pouco esses dias. Pari um livro e agora só consigo olhar para ele. É isso! E é lindo!
V
Até o final do mês vamos lançar a quinta edição da Sarabatana, a segunda desse nosso segundo ano. Pela primeira vez, teremos o mesmo número de textos em prosa e em poesia. É nossa segunda edição voltada para a autoficção. E eu poderia falar sobre esse conceito. Sobre o desgaste que ele anda sofrendo. Sobre se é possível escrever qualquer coisa que não seja, em larga medida, autoficcional. Mas quero falar da emoção.
(acho que essa obra é da Anna Bella Geiger, mas não tenho mais certeza. Alguém sabe?)
A Sarabatana mudou o curso da minha vida. Sei que isso pode soar exagerado, mas foi com ela que pude molhar o dedinho do pé na piscina da literatura. Mesmo já tendo publicado textos em revistas, virtuais e impressas, e ouvido minha voz na voz de outra pessoa que os leu em um programa de rádio, foi a Sarabatana que me fez sentir que eu tinha credenciais.
Chegar a essa quinta edição é uma alegria só, mesmo que não me faça chorar e pular e gargalhar e ligar para meia dúzia de pessoas. É uma emoção mais calma, mas muito quentinha.
Ah, e acompanhem, teremos novidades nesse lançamento!
VI
Ontem participei do primeiro de dois encontros conduzidos pela Luiza Leite para ler (e escrever com) Bernadette Mayer. Eu não conhecia a escritora/poeta/artista e estou apaixonada. Ela é considerada uma poeta conceitual, para quem a ideia, o conceito, é o mais importante. Isso dá margem para muitas experimentações com a escrita. No caso dela, uma super prolífica experimentação com os fluxos de consciência que se dão no cotidiano (e na memória).
Ainda me impressiona como as coisas parecem se encaixar quando estamos de olhos abertos. Tenho me interessado muito pela ideia de memória (e o quanto ela é, de fato, uma ficção), não sabia nada sobre Mayer. Me inscrevi para participar dos encontros porque queria conhecer a Luiza. Ganhei um novo amor.
Deixo um trecho de um texto da Bernadette, traduzido pela Luiza, para vocês:
MEMORY (1975)
ed atravessou o quarto segurando uma vela como o fogo começou senhor, na cama na pia no meio da noite, deve ter sido a cama no meio da noite que pegou fogo, não, foram os fósforos deixados sob a lua. acenda os fósforos & talvez você possa ver os vaga-lumes ed com uma vela próxima ao rosto, a lua grande atrás dele não durou muito estou iluminada com velas nos cabelos os meus cabelos em tranças mas não amarradas como a randa as usa as tranças desfazendo-se nas pontas tanta coisa acontecendo no céu ed atravessou o quarto segurando uma vela eu o observei através da janela grande ele passou pela cabeceira da cama, bebeu & fumou, deixou os fósforos & e a vela lá fora, a vela ficou com uma pluma grudada nela nenhum mosquito compramos açúcar & leite desnatado, tomamos café em xícaras de verdade com água dos canos, fervemos o café, uma tv nova, anotações nectarinas & muitos fósforos ed comprou um tipo novo de fósforos hoje fósforos eternos permanentes. saiam daí homens em suas roupas de borracha pois o fósforo permanente é perigoso perigoso para o toque & uma lanterna na loja de produtos para carros, eu exigi uma luz clara não do fogo logo irá explodir num flash… beba mais, fazemos um fósforo fogo e cigarro & guarde-o ou incendeie até o fim & inspire a fumaça pelo coração & pulmões, os bombeiros voltaram para ajudar a apagar uma fileira de velas adormecidas, cinquenta ou cem com a forma de um corpo ou de uma coroa, acendemos todas, sono, meio do quarto, acorde limpo & altivo. é annabel ou algo assim: facas afiadas, dedos & mãos com cortes, farpas entram na pele elas queimam a gente nada pelo menos sabemos nadar
É isso. Até breve!
Anna
📚Estou lendo algumas coisas ao mesmo tempo: não fossem as sílabas do sábado, da Mariana Carrara; The white album, da Joan Didion; Paterson, do William Carlos William; L’hôtel, da Sophie Calle.
Um caos, como andam esses dias de muito trabalho e inspiração.
📽Terminei The bear. Não sei se gostei. Achei acelerado demais, gritado demais. Talvez sejam mesmo assim as cozinhas profissionais, mas a série não me apaixonou.
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