Newsletter - 18/10/24
- revistasarabatana
- 18 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Natureza é a concretudo de uma boca que se abre.

Trilha sonora para essa edição: O mar, Madredeus
Salve, salve,
Montreal é uma cidade silenciosa, com algumas variações durante as estações do ano, que são bem marcadas aqui. Mas é agora, no outono, que eu sinto esse silêncio de uma forma particular. As pessoas já estão se recolhendo, mas as árvores e os esquilos não. Pelo contrário. As árvores estão super exibidas com seus tons de vermelho e dourado, e os esquilos estão ficando cada vez mais gordos e atrevidos. Já está frio, mas com temperaturas positivas. O dia ainda não encurtou e o sol ainda esquenta um pouco.
Em dias assim, quando o céu é azul, as árvores são vermelhas e o frio é amigável, andar no silêncio é um dos meus maiores prazeres. E mais, é uma das minhas maiores inspirações.
Silêncio, árvores, sol, frio, tudo manifestações de uma natureza que nos atrai porque nos acreditamos separadas dela, ou porque há um impulso de voltar a ela.
Trabalhei três anos em um lugar relativamente longe de onde eu morava e, nos meses de outono, sempre optava por voltar caminhando. Era uma hora de caminhada e, nessa época, eu ouvia livros em alguns momentos do percurso. Aconteceu, em um momento, de ouvir “Mulheres que correm com os lobos”. Calma, essa newsletter não irá se transformar em um panfleto desse livro! Tenho muitas críticas a ele. O que me incomoda, em particular, é a insistência da autora na necessidade de nos mandar buscar a “mulher selvagem” que habita em nós. Mas não estou propondo aqui uma resenha desse livro. Quem sabe um dia eu escrevo uma newsletter sobre isso.
Meu ponto é que, enquanto ouvia o livro, andava de mãos dadas com essa natureza que acabo de descrever, e não seria de se estranhar que eu, de alguma forma, procurasse inspiração nela, e no cosmos, na vastidão, no prenúncio do branco infinito da neve. Desde que ouvi (e depois li) o livro, me questiono, de uma forma antes negativa, sobre como falar e trazer a natureza para minha escrita sem cair na busca pela ancestralidade, sem romantizar a senhora sábia iluminada pela luz da fogueira, sem usar os clichês presentes nos textos que se arrogam “selvagens”.
Esse ano me deparei com uma chamada para um curso. Era algo que remetia a uma “escrita selvagem”, não necessariamente nesses termos. Na hora fiquei incomodada, porque quem oferecia o curso dizia que iriam ler Nastassja Martin. Nada contra ler uma antropóloga para pensar literatura. Afinal, eu sou a primeira a defender que conhecimentos devem se iluminar mutuamente, e que acessar outros pensamentos nos ajuda a entender nossos bloqueios, nos ajuda a suspeitar de ou seguir normas, entre outros. Mas eu ainda não tinha o livro de Nastassja, e fiquei intrigada, me perguntando se poderia se assemelhar ao de Clarissa Pinkola Estés.
E qual não foi minha surpresa ao perceber que um não tem nada a ver com o outro. “Escute as Feras” é um livro que sabe trazer a relação com a natureza de forma muito poderosa, mas muito pessoal. Em nenhum momento a autora pretende universalizar sua experiência, e está longe de trabalhar com arquétipos. Como tudo, a experiência de ler um livro é muito pessoal, e o que nos interpelará será diferente para cada um de nós. Para mim, o que resta é uma reflexão. Ou quiçá uma conclusão. É possível usar a natureza, realista, mágica, sem dualismos e sem clichés em nossas escritas, e me sinto cada vez mais autorizada - por mim mesma, diga-se de passagem - a fazê-lo.
Até breve,
Lívia
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