Newsletter - 15/08/25
- Anna Davison
- 15 de ago.
- 3 min de leitura
Fenomenologias.
Trilha sonora para essa edição: People on Sunday, Dominique Dumont
I
Duas notas esparsas, perdidas no meu telefone:
29/07/25 - Acabo de ter taquicardia. No additional text.
29/11/20 - Carta do corpo: 3 de paus. No additional text.
Pergunto ao ChatGPT o que podem significar uma e outra coisa:
- Em adultos, considera-se taquicardia quando a frequência cardíaca está acima de 100 batimentos por minuto em repouso. Ela pode ter várias causas, desde situações normais até problemas de saúde.
- O 3 de Paus geralmente simboliza planejamento, visão de futuro e expansão. Ele aparece quando algo que você começou já está em andamento e agora é hora de esperar pelos resultados, explorar novas possibilidades e pensar estrategicamente.
II
As notas serem de dias 29 é coincidência.
Cinco anos separam o 3 de paus da taquicardia. Muito aconteceu desde então, é claro. Para além de uma pandemia e uma série de mudanças de cidade e continente, meu olhar para os detalhes é, agora, outro. Quero crer que a taquicardia não seja o resultado do que aconteceu sem o planejamento que me sugeria o 3 de paus.
Não voltei a ter taquicardia desde o último dia 29.

III
Estou cansada do inverno. Venho do cerrado e tantos dias de frio vão me deixando com mais desejo de recolhimento do que já tendo a ter normalmente. Paradoxalmente, Buenos Aires tem me proporcionado mais vida social que toda a vida social que tive nos últimos muitos anos. Aqui, fico mais perto da literatura e é bom.
Também é um crash course em me livrar do tal FOMO.
IV
Tenho tentado entender, como quem me acompanha já está careca de saber, qual a melhor forma, para mim, de equacionar desejo e ação. Sonho demasiado e pouco faço. Me sinto cansada. Devo ter ficado grudada ao 3 de paus, andando com ele pregado à testa. Me pergunto se todo mundo vê.
Me aproximo do meu aniversário de 46 e percebo que a crise da meia idade se aprofunda cada vez mais. Sinto como se estivesse permanentemente sentada nessa mesma mesa onde agora escrevo, olhando para a janela na minha frente, onde a vida desfila brilhante e interessante. Aqui dentro, faz frio e me sinto cada vez mais distante do que me faria artista.

V
Ainda assim, comecei a anotar cenas cotidianas que me atravessam no dia-a-dia na cidade. Uma forma de pintar um mapa:
- Na praça Güemes, é sábado, faz sol e quase chega a estar quente. A porta da igreja de Nossa Sra. de Guadalupe se abre e uma pequena multidão sai fazendo caretas, ajustando as pupilas à claridade do dia. Um senhor de 80 anos vestido de forma elegante, com um lenço azul marinho e branco amarrado em um bonito nó no pescoço, ampara a mulher com quem é casado há mais de 50 anos e que, agora, tem dificuldade de descer as escadas. Penso que isso é amor.
- No café do bairro, dois homens de meia idade e camisas de cores neutras e já desbotadas olham atentos a tela da televisão posicionada no alto. Assistem a algum jogo de futebol enquanto seus cafés com leite esfriam nas xícaras brancas sobre a mesa manchada. O funcionário jovem, de preto, tem uma tatuagem que lhe toma todo o pescoço. Ele passa um pano bem lentamente sobre o balcão onde se vê uma estufa com empanadas e um bolo. Um cartaz diz “hay chocotorta”. Uma espécie de carinho.
- Caminho para ir ao mercado e quase piso em duas pequenas flores murchas na calçada. Elas são exatamente da mesma cor dos meus tênis. Me pergunto se um dia foram tão bonitas quanto as flores vendidas na esquina da Figueroa Alcorta com a Jerónimo Salguero. Ali ficam expostas as flores mais bonitas da cidade, aquelas que parecem pequenos fogos de artifício congelados, cujos nomes eu desconheço.
VI
Se soubesse desenhar, poderia mostrar com imagens o que anoto com palavras.
Alguém se habilita?
Beijos,
Anna
📚Estou lendo, meio lentamente, 3 livros ao mesmo tempo: La insumisa, da Christina Peri Rossi; Aliens & Anorexia, da Chris Kraus; e A Parede, da Marlen Haushofer. São livros muito diferentes entre si e, talvez, Chris Kraus seja a que mais está me instigando agora.
🎨Fui duas vezes nas últimas duas semanas ver a exposição da Liliana Porter no Malba. Os vídeos me deixam completamente hipnotizada. Estou apaixonada de novo.
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