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Newsletter - 14/02/25

Atualizado: 28 de fev.


Um buda sorridente no jardim


Trilha sonora para essa edição: Stillness/ Movement B, Qaett


I


Nos mudamos no sábado para uma casinha em uma rua cheia de árvores imensas. De madrugada, bateu um vento muito forte que fez o som das folhas parecerem ondas quebrando na praia. Me estiquei na cama e respirei fundo. Mais cedo, achei uma pequena estátua de um Buda gordo e sorridente em um dos vasos de planta do nosso minúsculo quintal. Quero acreditar que a vida nos dá sinais.


Sempre que escolhi um lugar para viver, o que guiou minha decisão foi sentir se eu poderia me imaginar feliz ali. Preciso parar no meio da sala, fechar os olhos, me esticar e respirar fundo. A possibilidade de alegria vem como uma espécie de excitação que poderia facilmente ser confundida com um aperto no peito. A diferença é que me dá vontade de sorrir (e de escrever).



II


Não tem sido fácil chegar de volta a Buenos Aires, porém. E sei bem que não tem nada a ver com a cidade. Tudo (ou quase) segue relativamente igual, se tirarmos a economia, esse eterno problema argentino, da equação. Sou eu que mudei no último ano, fui eu que experimentei a dor e o gozo de realizar dois grandes sonhos e de finalizar processos que se penduravam nas minhas costas há muitos anos. Cabe a mim lidar com o vazio que isso me trouxe e com o novo equilíbrio que vem com a retirada desses penduricalhos do caldeirão de coisas com que tenho que lidar.


Olho pra frente e não sei bem o que significa ser feliz em uma nova casa. Percebo que a escrita não anda fluindo, nem a leitura. Parece que cheguei a um pico, um ponto de onde muito se vê, mas que não traz muitas opções de caminho, mesmo sabendo que isso não é verdade. Coincidência ou não, além de achar estatuetas de Budas gordos e sorridentes, tenho me deparado com newsletters, podcasts e livros sobre a Índia e, surpresa!, sobre menopausa.


III


Não pretendo trazer nenhuma nova descoberta sobre esse tema, que, sim, precisa mesmo ser cada vez mais discutido, mas queria fazer um convite para pensarmos sobre os efeitos de grandes mudanças em nossos processos criativos. Do lado de cá, noto que tenho tido pouco espaço mental para as criações que demandam calma, tempo e respiro. De madrugada, ouvindo as folhas, tenho inspiração para um sem fim de poemas, logo esquecidos quando o sono volta. Andando pelas ruas, esbarro em cenas que me dão vontade de escrever, deixadas para trás quando viro a próxima esquina.


Parece que as mudanças que venho experimentando, de tão internas, me puxam para o centro do meu próprio peito, me mostrando o que falta, mais que aquilo que sobra. Racionalmente, tento me convencer de que é aí que mora o espaço para a produção artística. Nesse ponto incrustado entre o coração e os pulmões, nadando no mediastino, sinto que pulsa alguma coisa: eu. Eu impaciente. Eu exausta. Eu encantada. 


Li esses dias que a maioria das mulheres experimenta uma sensação de plenitude depois da menopausa e passo a desejar que essa fase prévia (não, não tenho nenhum sintoma além da dificuldade de modulação das emoções, que andam intensíssimas) passe, deixando caminho para uma nova etapa mais calma, de mais respiro.


IV


E é aqui que entram as memórias que trago da Índia, o lugar mais caótico que já conheci (tá, o Vietnã rivaliza), mas exatamente para onde olhamos quando pensamos em espiritualidade, ou quando eu penso. 



Em 2019, passei 21 dias em um ashram, meditando 3 horas por dia, praticando yoga por 4, voltando para meu pequeno quarto solitário para processar tudo o que experimentava em grupo. Enquanto estive lá, não pude ter a real dimensão daquela experiência e do tanto que ela me alteraria profundamente. Não escrevi nada na Índia e muito pouco sobre a experiência depois. Aqui, não vou fazer uma tentativa de abarcar o que é ir para a Índia, nem romantizar o é que um ashram. Tem muita coisa muito chata, muita coisa muito desconfortável, mas também muito espaço para pensar, sem a pressão por produzir nada (nem a comida que me alimentava naqueles dias), ou a necessidade de tomar decisões. Da hora de dormir a qual dia será livre, passando pelo momento de acesso à internet, tudo já está definido e se encaixa num ciclo repetitivo.


E é esse o ponto que eu queria trazer aqui, o da repetição como uma forma de abrir espaço para a criatividade. Talvez a rotina não ajude só na perimenopausa, afinal de contas. Acho cada vez mais que, sem ela, vou seguir perdendo as palavras nascidas nas madrugadas insones.


É isso!


Até breve!

Anna


📚Li Diário del abandono, do Leopoldo Brizuela. Foi bem difícil! Um espelho gigante refletindo meus medos e angústias. Ainda assim, recomendo o livro, bem como toda a coleção de diários da editora argentina Bosque Energético.

 
 
 

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