Newsletter – 12/07/24
- revistasarabatana
- 12 de jul. de 2024
- 3 min de leitura
Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.
Trilha sonora para essa edição: Break It Up, Patti Smith*
Salve, salve!
Uma vez sonhei que saía de uma floresta, entrava em uma casa desconhecida e colocava um disco na vitrola. Ao ouvir a música, entendia que estava morta. Em outra ocasião, sonhei que assistia a uma peça chamada “A Mulher Ideal”. No palco, se via uma cama em cima de algum material que simulava água e dois atores representando o encontro de um casal. Ambos sonhos, e muitos outros, se transformaram em textos literários.
Além de ver a mim e a outras pessoas realizarem ações, havia muito mais nesses sonhos: detalhes fugidios, informações impossíveis de processar, sentimentos e sensações ora indecifráveis, ora bem perceptíveis. Esses outros aspectos da minha vida onírica também influenciaram os textos, me ajudando a criar atmosferas, desdobrar acontecimentos e imaginar o desenrolar e mesmo a conclusão da trama.
Desde as primeiras tentativas de encontrar nas minhas fantasias, nos meus desejos, nos meus medos e anseios fontes de compreensão e de inspiração, passei a escrever meus sonhos, não só para o meu processo psicanalítico, mas principalmente para meu ofício de escritora. Mas não foi um processo simples — e continua não sendo. Sonhos são portais que nos levam a penetrar espaços muitas vezes interditados por nós mesmo. Por isso, ainda que reste uma angústia, um vislumbre de alguma informação, ou mesmo uma sensação de que devemos nos lembrar de algo, é tão difícil, às vezes, lembrar-nos de um sonho.
Mas quando lembramos, os sonhos são como terrenos férteis. Pensando nisso, passei a ter um caderno e uma caneta na mesa de cabeceira. No começo, esperava que, caso despertasse no meio da noite — eu não costumo dormir de tarde — pudesse anotar o que me fez acordar, descrever esses sentimentos pungentes, e muitas vezes impossíveis de nomear, que nos arranca do sono. Mas a verdade é que raramente consigo fazer isso. Ou o sentimento é demasiado angustiante, ou quando pego a caneta, toda a sensação que me fez acordar parece se desfazer e escorrer por um ralo. Por isso costumo esperar o amanhecer para anotar palavras-chave ou descrever minimamente os sentimentos, e ao longo do dia vou lapidando as informações. Fazendo isso, pelo menos não perco os presentes — às vezes de grego — que meu subconsciente está me dando.
De qualquer forma, fica a sugestão: caderno e caneta na mesa de cabeceira. Para quê? Para ter o que comumente se chama “diário de sonhos”. Escrever assim que acordamos nos oferece um material bruto para ser trabalhado futuramente.
Mas a parte que eu mais gosto de trabalhar inspirada em meus sonhos é a possibilidade de criar tramas intrigantes. Por quê? Porque sonhos são como a canção diz, um samba enredo que ninguém conhece o fim. Façam eles sentido ou não, os elementos aos quais temos acesso podem incrementar a narrativa, ou serem pontos de partida de uma história, como os exemplos que dei no primeiro parágrafo.
Até breve,
Lívia
* Patti Smith escreveu essa canção a partir de um sonho que ela teve com o Jim Morrison, após ter visitado seu túmulo no cemitério Père Lachaise, Paris.
Ela conta a história em seu songbook Complete:
“I had this dream. I came in on a clearing. There were natives in a circle bending and gesturing. I saw a man stretched across a marble slab. Jim Morrison. He was alive with wings that merged with the marble. Like Prometheus, he struggled, but freedom was beyond him. I stood over him chanting, break it up break it up break it up… The stone dissolved and he moved away. I brushed the feathers from my hair, adjusted my pillow, and returned to sleep.”
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