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Newsletter – 10/05/24

Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.

I

Ser me ocupa bastante.

A frase não é minha. É do Ian Guest. Se repete no filme sobre ele, O Imperfeccionista, enquanto o vemos criando sem cessar. Fazendo música com as letras de uma placa de carro, com o caminho, com a vida. Um prato cheio de gatilhos (mas também muitos aprendizados) para quem anda questionando o próprio lugar enquanto pessoa criativa. Ian também ensina que não há dom, há labuta e desejo.

E como faz quando não se sabe exatamente o que é que se deseja?, queria poder perguntar.

Vivemos um tempo em que é preciso viver com propósito, achar o que é que nos faz desejantes e plenos, experimentar a vida ao máximo, comer direito, meditar, criar. É muito. E pode ser exaustivo. No auge do meu cansaço, tento encontrar uma resposta que sei ser impossível: o que é que significa ser para mim? O que é isso que tanto ocupa a todos nós? E se meu desejo for muito mais trivial e não implicar em viver com propósito? E se não ficar bonito nas redes sociais?

Será que o Ian tinha redes sociais?

Penso na geração dos meus avós, para quem, imagino eu, não havia tanta cobrança por ser especial. A vida mais lenta, mais presente. Ou isso também não passa de mais uma das minhas fantasias? Aliás, o lugar da fantasia vem sendo assunto constante nas minhas sessões de análise. Como é que se equilibra o que é fantasia e o que é real? Ou melhor, como é que se concretiza a fantasia, de modo que ela possa ser experimentada no real? Ou ainda, como tiro a cabeça das nuvens e experimento o concreto? Para piorar, um amigo, também escritor, me lembra de Lacan, que nos disse que o desejo nunca pode ser concretizado. Está feito o nó!

II

O tema das minhas últimas duas semanas tem sido minha capacidade de ser escritora e o que é que faz alguém escritor. A parte da labuta mesmo.

Basta escrever! Diriam alguns.

E estariam certos. Mas meu ponto é entender como é a rotina de um escritor. Ou como é a minha rotina de escritora. O que é preciso para eu realmente sentir que é isso que eu sou? Que a escrita não é só um hobby que me deixa mais cool? Como é que vivo – ando pela rua, acordo, encontro pessoas, como, tomo banho – sendo escritora?

Paul Auster escrevia 8 horas por dia. Murakami, também. Escrever é também reler, mexer, lapidar, exercitar. Como uma performance diária que pouco se mostra ao mundo. Pouca gente vive do que escreve, o que significa que a rotina de escritor pressupõe outros trabalhos (no mundo da literatura, ou não) que paguem as contas. Então, Auster e Murakami são exemplos ruins. Embora Murakami seja também tradutor! Mas eu não sou nenhum dos dois. E mais, esse ano faço 45 anos! Mas tudo bem, é possível se reinventar, eu sempre admirei quem se reinventa. E isso e aquilo. E assim e assado. Nesse vai e vém de pensamentos vazios, me perco por horas. Não crio. Sequer fantasio. Preciso muito aprender a silenciar.

Como um pêndulo, vou e venho entre o acreditar e o desacreditar no que faço. Quem sabe me acho em algum ponto da repetição?

III

Na minha imaginação (ultimamente fértil só para me criar angústias), vou acordar todas as manhãs, tomar café, sentar e escrever por horas. Depois, vou fazer algum exercício, almoçar e escrever mais. No fim da tarde, vou ler um livro, ou assistir um filme. Quem sabe, sair para tomar um chá e observar as pessoas em um café, ou ir ver alguma exposição. Também vou meditar todo dia, nesse meu lugar, onde vai sempre fazer sol e a trilha sonora há de ser inspiradora. Não vou me preocupar se meus textos são rejeitados pelas editoras, nem se vivo da escrita.

National Gallery of Canada. Não anotei de quem é a obra. Se alguém souber, me diz?

Não imagino que não terei angústias, claro! Mas as imagino como propulsoras do criar, não como paralisadoras e pavorosas.

Também saberei silenciar.

Dá para rir!

IV

No topo de tudo isso, lembro de como as palavras são potentes. Podem mudar tudo numa fração de segundos. O que eu escrevo pode alterar o curso da vida de alguém. O que leio pode alterar o curso da minha. Não pretendo me dar mais importância do que tenho (o que, aliás, me parece mais um dos problemas dos nossos tempos), mas percebo agudamente a importância de saber que a escrita pode ser o que não se diz também. Não há texto sem espaço. Não há vida sem escolhas.

V

Enquanto me foco no meu umbigo, o Rio Grande do Sul padece. Não é a primeira vez e, tudo indica, não será a última. Mas podemos ajudar, na medida do possível de cada um. Há muita gente séria recebendo doações e fazendo com que elas cheguem a quem precisa. Os correios de alguns estados estão recebendo itens de primeira necessidade e os enviando de graça também.

Aqui de longe, além de sofrer junto, doei o que pude. É que realmente me parece necessário atuar no mundo!

…..

📚Comecei a ler em francês, para ver se melhoro meu desempenho. Hahaha! Estou lendo Première personne du singulier, do Murakami. O livro traz oito histórias curtas inéditas escritas, como o nome diz, em primeira pessoa. Não me parece nem perto do melhor do autor, mas estou me divertindo.

📚Li também Névoa e Assobio, da Bianca Dias, com ilustrações da Júlia Panadés. Um livro potente, curto e duro, em que Bianca conta do luto pela perda do filho, que viveu apenas 5 dias, numa UTI neonatal. Muito bonito ver como as pessoas podem transformar experiências tão aterradoras em algo tão potente e poético.

📽Assisti a Baby Reindeer e entendi o hype. É uma série muito bem feita mesmo. As atuações estão ótimas, os diálogos são bons e a fotografia também. Mas também compartilho de algumas críticas que li sobre questões delicadas, como o fato de ter uma implícita (ou nem tanto) gordofobia ali.

É isso!

Até breve,

Anna

 
 
 

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