Newsletter 06/09/24
- Lívia Vitenti
- 6 de set. de 2024
- 2 min de leitura

Escrevendo automaticamente, ou nem tanto, e dando um chega pra lá no meu censor.
Trilha sonora para essa edição: Cripple and the Starfish, Antony and the Johnsons
Salve, salve
Nos últimos meses, tenho pensado muito nas possíveis formas de organizar um romance. Tenho como uma das minhas maiores referências de escrita livre, sem cumprir com muitas regras, o movimento surrealista, e procuro aplicar, pelo menos nos meus exercícios, muitas das propostas feitas por André Breton no Manifesto Surrealista. Entretanto, na hora de sentar e escrever algo autoral, sinto uma pressão enorme para me manter fiel a um modelo de romance que preza por capítulos bem estruturados, mais ou menos do mesmo tamanho, com começo, meio e um gancho para o próximo.
Sinceramente, eu acho que essa pressão vem muito da minha formação acadêmica, mas vem também de uma insegurança que deve ser superada. Ao ler livros que mesclam estilos, que usam desenhos, poesias, enfim, que saem do que eu penso ser um livro nos moldes clássicos, me sinto ao mesmo tempo, compelida a fazer o mesmo, mas sem saber como. Me explico: minha censura é alta demais! Eu acho lindo o que as outras pessoas fazem, mas quando sou eu, acho que é pouco inspirado, ou pouco criativo, ou pior, que estou tentando imitar o estilo de alguém. Entender que esses pensamentos são um auto-boicote tem sido cada vez mais urgente para mim, e acho que estou conseguindo.
Dia desses peguei algo que eu achava ser um amontoado de palavras, e comecei a destrinchar. Elas partiam quase todas de livros de psicanálise ou de antropologia (eu sempre acho que essas duas disciplinas usam palavras muito interessantes) mas estavam soltas, sem formar uma frase. Peguei uma, duas, fui colocando pronomes, advérbios, e quando vi, tinha formado sentenças que me pareceram ótimas.
Animada com esse resultado, voltei a folhear o caderninho de sonhos. Sabe aquele que os surrealistas nos dizem para ter, já que para eles os sonhos são matéria-prima essencial para criar? Ele mesmo! Já comentei com vocês que meus sonhos frequentemente me inspiram, mas não dessa forma! Não tentando construir frases a partir das imagens oníricas.
Ao começar a aceitar escrever assim, me lembrei de uma das sugestões de Breton: evitar o factual, driblar o realismo objetivo. Eu sinto muita necessidade de descrever eventos, paisagens e de escrever diálogos de forma muito precisa, embora eu saiba que essa necessidade não nasce de mim, mas de um mandato social. Que mal tem se meu personagem é visto com escamas por uma pessoa, ou como uma estátua por outra? Se eu gosto tanto do surrealismo, por que tenho tanto medo dele?
A verdade é que meu subconsciente (o nosso!) é uma maravilha, um manancial de criatividade e de verdades! Verdades difíceis de engolir, é verdade, mas ainda assim uma fonte de ideias e imagens sem censura, sem necessidade de uma explicação lógica (menos quando estou falando delas com meu psicanalista).
Há profundidade e inovação nos meus textos, quando abraço a escrita automática também, outro recurso surrealista. Com ela dou um até logo para a autocensura. Mas e depois, dou conta de mostrar eles para o mundo? Acho que estou quase lá.
Escrevi isso aqui: Ser dois e saber-se um é interrogar elos.
Achei bonito, e inspirado.
Até breve,
Lívia
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