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Newsletter – 05/07/24

Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.

Trilha sonora para essa edição: Djourou, Ballaké Sissoko

I

Faz duas semanas que acordo muito cedo.

Acordar antes das 9h nunca foi natural para mim. Quando criança, estudava de tarde, porque era impossível me fazer chegar à escola na hora. Na universidade, cheguei a reprovar em disciplinas que tinham aulas às 8h da manhã, simplesmente porque eu não conseguia estar lá. Madrugar sempre foi e é uma tortura.

Entendeu meu cérebro, porém, que agora vai ser assim, acordo todos os dias, pontualmente, às 5h25 da manhã (tem dia que é mais cedo, nunca mais tarde), o que significa que não chego a dormir as 8 horas que me são indispensáveis. Fico na cama, num esforço imenso de pegar no sono de novo, mas raramente funciona. Levanto para os belos dias ensolarados com areia nos olhos.

Como não tenho achado solução, tento observar o que esse atual padrão pode me ensinar. Noto a cabeça cheia de névoa, os pensamentos que me escapam, o esquecimento das palavras, as pálpebras que pesam ao longo da tarde. Me sinto irritada e cansada e (quase) desesperada. Mas, de algum modo, também consigo ter mais clareza sobre o que é que eu quero (do dia e da vida). Já que não tenho energia para tudo, venho sendo mais permissiva comigo. E como é bom.

II

Ainda apesar da falta de sono, venho escrevendo um diário.

Que coisa mais maravilhosa é escrever um diário. Mesmo com a cabeça tão fora de lugar, a escrita metódica do que sinto, faz os pensamentos se ordenarem de forma quase mágica. É como se eu abrisse uma porta para um espaço de mim que eu não teria acesso de outro modo. Nele, tenho explorado meu processo criativo, meus desejos e as formas de me ver no mundo. Da escrita de todo dia, têm nascido poemas e ideias de procedimentos de escrita, receitas e invenções gostosas, planos e novos sonhos de futuro. Com a insônia, sinto que o que quero mesmo é estar nesse mundo de um lugar de subjetividade afinada, de poesia no olhar, de criação.

III

Semana que vem acaba o semestre na pós-graduação de escrita criativa que estou fazendo na PUC Minas. Foi um semestre curto, mas de muitos aprendizados. Talvez mais sobre mim mesma que sobre a escrita. Se bem que já não sei onde essas coisas se separam, se é que se separam.

Em uma aula da semana passada, recebemos uma escritora. Ela foi falar sobre seus processos de escrita e construção de livros. Em um dado ponto, ela tratou de como, para ela, é importante ter editado o texto exaustivamente, até realmente se ver nele, antes de passar por uma leitura crítica, ou preparação. A grande ficha caiu! Acho que o problema que tive recentemente com um acompanhamento da minha escrita veio justamente disso, o texto ainda não era suficientemente meu para que eu conseguisse me posicionar de forma mais presente em relação às sugestões que recebia. Ficou mesmo muito claro para mim que foi isso o que me fez perceber, depois de meses, que aquele livro, que, sim, estava sendo escrito por mim, não era o meu.

Sinto que Sartre acertou, “(…) nós não nos tornamos o que somos senão pela negação íntima e radical do que fizeram de nós”. Tem hora que é mesmo preciso negar. Acho que a insônia tem me trazido essa certeza, já não posso mais ser o que fizeram de mim, já não posso não ser radicalmente o que quero. Mas no processo de saber o que sou eu e o que fizeram de mim, cabe muita edição.

IV

Enfim, chega de falar de mim, hoje teremos novidades!

Anunciaremos logo mais os selecionados para a próxima edição da Sarabatana! Recebemos textos de autoficção de um mundaréu de gente, foi trabalhoso selecionar, mas tenho certeza que a próxima edição vai ficar linda! Apenas acompanhem!

V

Para terminar, como já está quase virando costume, deixo um poema:

tem alguma coisa de desesperadora no ato criativo
uma sensação de que algo alojado entre os pulmões e o diafragma
endurece e pesa 
esquenta e o calor desce
pelas paredes da barriga
atrapalhando a digestão
os pensamentos ficam boiando entre o estômago e os rins completamente
fora do lugar
as asas do diafragma e as muitas voltas do intestino não podem
arejar o que se condensa ali
qual matéria escura aquela
do espaço que pesa mais que todas
as coisas que a tristeza faz parar na base da garganta onde
fica a tireoide
a traqueia pega fogo e as palavras
saem mortíferas
misturadas a lágrimas que de tão secas mais
parecem areia
espalhada pelo chão que os pés não conseguem 
tocar
com dedos que se recusam a se 
espalhar e criar pequenas covas no chão
onde possam se alojar 
os desejos

Até breve!
Anna 

📚Li Parque das ruínas da Marília Garcia e ela instantaneamente foi alçada ao lugar de minha musa, minha mestra, minha nova paixão. Poema-ensaio é, agora sem sombra de dúvidas, onde quero morar na literatura.

📚Também li The invention of solitude, do Paul Auster. Como é que demorei tanto para ler esse livro??? A segunda parte, principalmente – aquela que se chama livro da memória – me trouxe tantos insights sobre o que venho pensando para minha escrita que quase sublinho tudo. Hahaha!

📽Ainda estou às voltas com The Bear, mas queria contar que vi o documentário da Nan Goldin, All the beauty and the bloodshed, em que ela refaz sua trajetória de vida, intercalando com a luta que ela encabeçou para retirar o nome da família Sackler dos anais da história da arte, por causa da enorme responsabilidade deles na epidemia de opióides nos Estados Unidos (da qual Nan foi também vítima). É um filme triste, pesado, mas lindo.

🎧Ando numa fase de música africana e deixei como sugestão de música para essa edição um disco lindo do Ballaké Sissoko.

 
 
 

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