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Newsletter - 04/10/24




“João, não viaja de novo! Não nesse momento, não agora.

A angústia era indecifrável. O dom de saber era inacessível. João não escuta, Ilá não fala. João não entende. Ilá não insiste.

Seria ódio demais? Ilá quis saber, aos prantos! Seria melhor sentir raiva. A raiva parece mais calma do que o ódio. O pranto causado pela raiva talvez também fosse mais suave, não esse convulsionar terrível que experimentava agora. Nunca tinha chorado daquela maneira, o corpo todo parecendo se liquefazer, para esvair-se, evaporar-se. Tudo para apaziguar aquele ódio, que parecia ser demais. Monstruoso. Mais monstro que ela. Mais impossível que ela.”


Trilha sonora para essa edição: Cais, Milton Nascimento, Criolo, Amaro Freitas 


Salve, salve, 


Vocês já notaram que estou, na miúda, tentando fazer vocês se interessarem pelo meu último romance? Acho que não está tão na miúda assim… 


De qualquer forma, olha eu aqui, de novo, usando partes desse livro para escrever minha newsletter. Escolhi essa passagem porque uma questão tem rodeado minhas reflexões: que tipos de personagens têm mais potencial para prender a atenção do leitor, do início ao fim de uma história?


Em geral, se defende que os personagens que sofrem muito tendem a nos cativar, embora não sejam os únicos. Evidentemente, essa identificação vem da empatia, pois todos nós, de uma maneira ou de outra, já experimentamos sofrimento. Envolver-se com a história, colocar-se no lugar da personagem e criar expectativas em relação ao desfecho da trama são os incentivos que nos levam a não querer largar um livro. 


E ainda que o desfecho não seja positivo para aquela personagem com quem tanto nos identificamos, ainda assim nos mantemos empáticos, o que faz com que a história ganhe relevância para nós. 


Outro tipo de personagem que ganha destaque, quando lemos dicas de escrita, é aquela cujos atos são questionáveis, atos que contradizem nossas convicções morais. Há muitos anos, li um conto do Dostoiévski, chamado Uma História Lamentável (há outras traduções). Nele, conhecemos um funcionário público chamado Ivan Illitch Pralinski que, imbuído de preconceito, arrogância e condescendência, resolve ir ao casamento de um funcionário de sua repartição, com uma posição bastante inferior à sua. É um personagem detestável, e minha empatia se dirigiu, portanto, às personagens secundárias. Como quis, ao longo do conto, que o tal Ivan se desse mal! Leiam, recomendo. 


O interessante da personagem detestável, cruel, ou de moral questionável, é que ela também é capaz de nos prender na história, seja porque de alguma forma nos identificamos com a parte mais mundana dela, seja porque queremos que seu desfecho, seja negativo. O mais relevante para mim, é não tentar agradar o leitor a todo custo, criando personagens agradáveis, ideais e logicamente, inverossímeis. Já falei algumas vezes do meu censor, não é verdade? Então, que ele não me obrigue a criar Polianas.  


Até breve,


Lívia


 
 
 

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