Beleza, desejo, poder e uma pitada de obsessão são os fios condutores
desse belo trabalho de Anne Carson.
Partindo das noções interpretativas do poeta inglês John Keats acerca do poder da beleza e da verdade, A Beleza do Marido – um ensaio ficcional em 29 tangos nos apresenta a história de um casamento, desde a paixão adolescente até o divórcio, e além dele. Um baile que se desenrola ante nossos olhos de forma transparente e comovedora, fazendo com que seja impossível não nos envolvermos, ainda que, segundo a autora, tudo o que ela oferece é uma analogia, um atraso, ao dedicar esse livro a Keats.
Sobre isso, já no título do primeiro tango, ela nos conta que (em tradução livre) “uma dedicatória tem que ser falha se for para o livro permanecer livre e se entregar à beleza”. É isso que Carson faz ao nos contar a história da obsessão da narradora (que ora aparece falando em primeira pessoa, ora como a esposa apresentada por um narrador ausente) pelo marido, cuja principal característica é a beleza.
Not ashamed to say I loved him for his beauty.
As I would again
if he came near. Beauty convinces. You know beauty makes sex possible.
Beauty makes sex sex.
(Em tradução livre:
Não me envergonho de dizer que eu o amava pela sua beleza.
Como eu faria de novo
Se ele chegasse perto. A beleza convence. Você sabe que a beleza faz o sexo possível.
A beleza faz do sexo sexo.)
"
Título: The Beauty of the Husband – a ficcional essay in 29 tangos
Autora: Anne Carson
Editora: Vintage Contemporaries
Ano: 2002
Páginas: 162
A Editora Bazar do Tempo está atualmente com uma tradução para o português do Brasil em pré-venda.
O relato de Carson, de um gênero de difícil definição, pode ser um poema, uma novela, ou um ensaio (como quis a autora), o que, definitivamente, não importa diante da inventividade e capacidade de arrebatamento da obra. Os 29 tangos, sempre precedidos de uma citação de Keats, nos convidam a bailar por entre memórias, num exercício filosófico sobre a vida e a ressignificação do passado. Nesse caso, uma vida e um passado pontuados por traições e pela obsessão pela beleza do marido.
O livro, mais um na linhagem dos livros de Carson que dialogam com outros poetas e filósofos e exploram o desejo a partir de um ponto de vista filosófico, traz como contribuição o entendimento de que desejo e beleza estão ligados de forma irremediável. Mesmo que a beleza seja, muitas vezes, imaginada. Além é claro, de nos proporcionar uma outra leitura da obra de Keats, também ele interessado em entender beleza, poder e desejo.
De um ponto de vista formal, os poemas que compõem a obra são diagramados de modo a pontuar sentimentos – presença, ausência, imaginação – de forma magistral, como é a marca registrada de Carson, que, dizem, ainda vai ganhar um Nobel. As palavras escolhidas nem sempre são fáceis, mas contribuem para a construção das várias camadas que compõem a obra, ainda que a história contada seja absolutamente prosaica. É como se forma e conteúdo também dançassem esse tango. Ponto para Carson, que, mais uma vez, nos mostra que a própria palavra pode ser tão sensual.