
Braço forte, mão amigA
Kaio Phelipe

No Grindr: Meu nome é Lucas, 45 anos, militar, curte? (…) Vou estar bem cheiroso. Pois venha você também assim. Adoro homens perfumados. (E me manda uma foto de dez anos atrás).
Real: Quer um licor? Fique à vontade. Não precisamos começar logo com sexo. (Reparo a casa de Lucas, há um quadro da Madonna na sala, um leque decorativo na parede e uma foto dele também antiga vestido com uma farda do Exército e ostentando o nome de guerra: Cortês).
Real depois de uma hora: (Cortês liga o rádio, coloca um CD do Roxette e canta baixinho acompanhando a música: listen to your heart, listen to your heart).
Nada, Caíque. Só viajei para uns pensamentos meus. Tenho cinquenta e um anos e não quarenta e cinco como disse na internet. Me desculpa. Mas, sabe, eu gostei de você. Não sei se tenho idade pra isso, mas agora te olhando me veio essa ideia doida na cabeça. Ficar velho tem me enlouquecido. Você pode esbarrar com a sua alma gêmea em qualquer uma dessas ruas, pode bater os olhos em um cara e desejar passar o resto da vida com ele e aí nada mais vai importar nem eu. Comigo já não é bem assim. Não tenho mais tanto tempo, não sou mais tão bonito, mas ainda estou esperando a minha vez chegar, ainda durmo pensando nisso. Se estiver me achando ridículo, me avisa, que a gente troca de assunto. Aceita mais um pouco do licor? Eu queria alguém para cuidar de mim. Já me cuidei muito. Você não acha uma loucura sentir falta de quem você nem sabe que existe? Bem que podia ser você, Caíque. Ah, se eu fosse mais novo e se meus cabelos já não estivessem todos brancos. Não me olhe com essa cara, que eu acredito. Apesar de curtido, ainda sou besta o suficiente pra achar que alguém quer alguma coisa comigo. Apesar de tanto tempo sem ninguém, não sei viver sozinho. E não é coisa que se acostume, já tentei. Eu sinto falta de alguém pra conversar. Celular é só uma ilusão, parece que tem um monte de gente perto, mas na verdade não tem ninguém. Sinto falta de fazer o que estamos fazendo agora. Gozar, eu gozo sozinho ou então junto uma grana, me enfio numa sauna, escolho o moço mais bonito e faço o que eu quiser durante uma hora. Só que isso não adianta pro meu corpo velho. Eu preciso de cálcio, de dengo. Você não sabe o que é acordar todos os dias com uma angústia no peito, saber a causa e não poder fazer nada. E eu desejo realmente que você nunca passe por isso. É a pior coisa do mundo, ficar sozinho destrói a gente, é um bicho muito feito, Caíque. Nunca contei a ninguém sobre mim. Mas ninguém é bobo, meu filho. Algumas pessoas apenas fingem que são. Homem, da minha idade, solteiro. Ninguém toca no assunto e não sou eu quem irei tocar, vivi a vida inteira desse jeito. A gente finge que está tudo bem, vai empurrando com a barriga e quando nos damos conta já se passaram cinquenta e um anos. Já fui casado. Com mulher, inclusive. Passamos mais de dez anos juntos e nunca traí. Encho a boca pra falar. Achava Sheila uma mulher belíssima, parecidíssima com Catherine Deneuve na época áurea da vida e a amei muito durante uns oito desses dez anos. Até hoje me entendo como bissexual. Navalha, Caíque, eu corto para os dois lados. Gosto das mulheres, mas meu inferno são os homens e, anote isso, a gente sempre escolhe o que vai nos fazer mal. Também tive um relacionamento de três anos com um rapaz que conheci no Exército. Eu era ativo e ele também, mas me disse que sexo não era o mais importante e me ensinou outras formas de demonstrar que gosto de alguém. Só que depois de três anos ele mentiu para mim e comia um garoto que frequentava a nossa casa e se dizia meu colega. Sofri mais do que quando me separei de Sheila. Ainda amava o cara. Esse é o problema dos relacionamentos curtos: sempre amo demais e os homens sempre atravessam a mesma porta, essa que está bem aí atrás de você, Caíque. Para a gente, se é que você me entende, é muito mais difícil encontrar amor. Eu estou nesses aplicativos, no mínimo, há cinco anos. Tempo suficiente pra que já tenham me esgotado a paciência, todos esses caras com vento na cabeça, que não valem muito mais que o pinto que carregam entre as pernas. Eu quero carinho, troca, escutar música lenta, saber o que o cara gosta. Mas eu virei uma maricona, como diz o dialeto popular. Quer dizer, popular da minha época, agora vocês gostam de me chamar de cacura. Viu? Estou por dentro dos novos tempos e não há compaixão pra cacura aqui. Mas pra mim a palavra maricona é que guarda a alma do negócio. Vocês não sabem de nada. Olhe bem para mim. Não como fritura, não uso drogas e caminho três vezes por semana. Tenho horror a envelhecer feio e inevitavelmente virei uma cacura, mas não fui eu quem decidi. Tenho a idade de Kylie Minogue e Céline Dion e ainda sou alguns meses mais novo que elas. Não ria, Caíque, isso é assunto sério. Ou então não me olhe com essa dúvida de quem me quer. Você não aguentaria os vinte e nove anos que nos diferem. Te desafio a chegar na minha idade, você não sabe o que te espera. Você ri e eu, noites sim, noites não, agradeço primeiro a Deus e depois aos meus guias por nunca ter morrido. E nunca ter apanhado na rua, porque só não morrer não é o suficiente. Já curti muito, meu filho. Hoje é tudo muito perigoso, mas na minha época não era assim. A gente tinha medo da aids, da ditadura, dos nossos pais, mas a gente tinha uma coisa que hoje ninguém tem mais, que é esperança. Coisa de cacura. A cidade está cheia de purpurina, mas falta coragem a vocês. O mundo resolveu encaretar no final dos anos noventa e até os que, como eu, que antes curtíamos e éramos os descoladinhos, na virada do século nos deparamos com a solidão. Hoje eu tenho pavor da noite. Faço tudo durante o dia. Trabalho, vou à praia, resolvo a minha vida, vou ao cinema quando tem algum filme interessante. À noite, me tranco em casa e escuto música lenta. Vivo trancado aqui nesse condomínio cheio de câmeras que nos dá uma falsa sensação de segurança, mas eu sei que estão nos vigiando. Eles devem estar se perguntando o que uma maricona louca e enrustida faz com esse menino tão mais jovem dentro desse apartamento minúsculo. Eu me faço a mesma pergunta. O que um menino tão jeitoso como você faz num aplicativo cheio de gente mesquinha e malvada como aquele? Deixe que eu adivinhe e me corrija se eu estiver errado: é escolha sua ficar sozinho. Me conte mais de você pra ver se te entendo. Não me diga que precisas ir agora. Nosso papo está tão gostoso. Mas tudo bem. Quando quiser tomar outro licor, uma cerveja, um café, um conselho, uma amizade colorida, sabe onde me achar. Vê se grava bem o meu endereço e vê se volta. Quando não tiver lugar para dormir, eu tenho sempre um lado da cama vazio. Vamos, que te deixo próximo a sua casa. Adorei a nossa tarde, Caíque, muito obrigado. Pegou as chaves, celular, carteira? Olhe bem em volta, não está esquecendo nada?