Newsletter – 31/05/24
- revistasarabatana

- 31 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.
Trilha sonora para essa edição: The Night, Morphine
Salve, salve!
Há algum tempo, fui convidada a ir a um show de contação de histórias. O grupo se chama Confabulation e apresenta espetáculos mensais de narração de histórias da vida real, relatadas por autores, comediantes e atores, dos mais experimentados aos iniciantes. É uma proposta muito interessante e uma experiência rica em sensações. Mas algo ficou martelando na minha cabeça enquanto descrevia para vocês a proposta: histórias da vida real. Bom, de fato é como eles apresentam o que fazem. Mas, como as pessoas fazem isso? O que elas querem dizer com “vida real”? Do que estamos falando quando pensamos no termo storytelling em inglês, e contação de história em português?
Cecília Meireles tem uma poesia chamada A Arte de ser Feliz. Um dos trechos é o seguinte:
“(…) Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.(…)”
Esse trecho é especialmente pertinente para a discussão que estou propondo. Se pensamos que a contação de história nos acompanha como espécie desde sempre, e que muitos conhecimentos se perpetuam através da tradição oral, podemos afirmar que há, nessas histórias, a vida real. Mas qual é a realidade da vida? Qual era a realidade das crianças observadas por Cecília Meireles? O que é a vida real para a própria poeta?
Por isso, contar histórias pode ser uma forma de entretenimento sim, mas é também uma das ferramentas mais poderosas que temos à nossa disposição para pensar o mundo que nos cerca, e outros também. Nós gostamos, adoramos boas histórias! Gostamos de ouvir, e gostamos de ler! Então, como usar aspectos da contação de histórias na nossa escrita?
Voltando à poesia de Cecília Meireles, ela imagina as histórias a partir da reação das crianças, e nós imaginamos as crianças, a árvore, a mulher, o clima, a história contada, em que país Cecília estava, como era sua janela, o que ela estava fazendo lá. Estão comigo? Podemos contar nossa história de muitas formas, com diferentes perspectivas e, sim, contando nossa realidade, seja ela qual for.
Nesse sentido, podemos explorar, na escrita, narrativas não lineares, por exemplo. Quando optamos por isso, inserimos memórias, que podem parecer desconectadas da história presente, mas que mantêm nossos leitores interessados em montar o quebra-cabeça de nosso relato. Como as memórias, vislumbres do futuro também podem aparecer, além das tramas paralelas, que ajudam a envolver ainda mais quem nos lê.
Brinque com diferentes perspectivas narrativas também, como primeira pessoa, terceira pessoa onisciente, ou ainda a segunda pessoa – bem menos usada, que é quando narramos uma cena do ponto de vista de um só personagem, e escrevemos como se o leitor fosse esse personagem, ou ainda a partir da perspectiva de um ausente. Cada uma delas oferece vantagens e desafios, e nos ajuda a moldar a forma como vamos apresentar nossas histórias e quanto os leitores vão conhecer de nossos personagens, seus pensamentos e motivações, por exemplo.
E o que dizer do subtexto na contação de histórias? Está repleto! Dominá-lo pode contribuir muito na qualidade de nossa escrita. Procure desenvolver a capacidade de transmitir um significado mais profundo por meio desse recurso, ou seja, inclua mensagens que se encontram abaixo da superfície de sua narrativa. O subtexto é uma maneira de criar experiências multifacetadas para o leitor.
Finalmente, pense no simbolismo! Não é disso, afinal, que somos feitos? Temos cultura porque abstraímos, porque simbolizamos. Pense nisso ao escrever, pense em metáforas, acrescente camadas de significado e profundidade. Ao incorporar elementos simbólicos, você convida o leitor a interpretar significados que estão na raíz da sua história, criando uma experiência que se entranha e que perdura.
Termino essa newsletter com uma frase inspiradora da poeta Innue (e minha amiga, que sorte a minha!) Joséphine Bacon: “Você não é um mito, você é a continuação do mundo.”
Até breve!
Lívia




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