Newsletter - 25/07/25
- Lívia Vitenti

- 25 de jul.
- 3 min de leitura

Trilha sonora para essa edição: Candomblé, Baden Powell
Salve, salve
Voltei do Brasil 2 kg mais leve. Literalmente. Isso já era esperado, na balança. Mas dessa vez é diferente.
Quando voltei para Brasília, em 2013, após ter vivido 7 anos em Montreal, emagreci 6 kg nos primeiros meses. Muitos desses quilos perdidos, foram os adquiridos na gravidez (eu ainda estava no puerpério), mas os outros eu atribuí ao calor, à qualidade da comida, ao hábito. Eu achava que meu corpo estava retornando ao território que lhe cabia.
Mas essa última ida à Brasília, ao Brasil, não pode ser comparada a nenhuma outra. Pela primeira vez eu experimentei o desejo genuíno, e livre de culpa, de não ver determinadas pessoas.
Livre de culpa.
Lembram do meu censor? Nunca imaginei que o veria suavizar seu rigor, ainda mais quando o assunto é minha relação com outras pessoas. Mas aconteceu, e continua acontecendo.
Antes de viajar eu já sabia quem eu queria e quem eu não queria ver. Minha decisão foi baseada em algo muito simples: eu estou me diminuindo para caber em uma relação? Qual seria o pior crime que eu poderia cometer contra mim mesma?
Há muitos anos, escutei uma banda argentina cantar que “no hay delito peor que dejarse basurear”. Desde então, reflito sobre essa frase, e tento, ainda que aos poucos, entendê-la de verdade. Interiorizar, introjetar, praticar. Não me deixar ser tratada como lixo. Tenho demorado, é certo, mas cada vez mais entendo o que me atrai em pessoas que demandam muito, e entregam pouco. E tenho conseguido me afastar delas. Só que antes eu me afastava com um leve amargor na boca, com uma sensação de falta, de culpa. Com angústia.
Dessa vez não foi assim. Eu não senti nada, nem remorso, nem a sensação de que estava em falta, porque eu finalmente não estava em falta comigo mesma.
Eu cuido da minha cabeça há muitos anos, na religião e em terapia. Oxum melhora a cabeça ruim, e Ogum nos prepara para a guerra. Aprendi, não faz muito tempo, que Ogum é o orixá da guerra sim, o que vem depois de Exu no xirê, abrindo os caminhos, mas é também um orixá que ensina que antes de ir para a guerra, temos que nos preparar. Ele ensina isso na forja das ferramentas, porque coragem implica trabalho.
Ogum é também o orixá da transformação, da revolução. É ele que me diz que pode levar tempo, mas que os caminhos através dos incêndios estão abertos, e que mesmo me queimando uma e outra vez, sou capaz de enxergar um futuro onde talvez eu não fosse capaz de ver. Atravessei, e acho que estou chegando em um ponto sem retorno. Nada muito drástico, nem dramático. Não acho que cheguei ao fim de nada, de nenhuma guerra. Sigo lutando, mas sei que não quero retornar a um padrão que não me convém mais.
A antropologia me ensinou que onde há estrutura, pode haver quebra, e que nada é fixo ou imutável. E o que quebra a estrutura pode ser totalmente contingencial, como foi simples o movimento de não avisar a ninguém, ou praticamente ninguém, que eu estava em Brasília. Voltei de Brasília mais leve, na balança, mas muito maior. Não me fiz menor para caber na vida de ninguém. Não rendi homenagens a ninguém. Voltei pensativa, mas contente.
Meu censor deve estar um pouco irritado, mas está bem quietinho. A partir de agora escreverei como visitei Brasília.
A bendita água de Oxum (que inunda a casa do traidor) e a forja de Ogum me preparam para esse futuro, que está na ponta dos meus dedos, escrevendo ou tocando.
Até breve,




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