Newsletter - 24/10/25
- Anna Davison

- 23 de out.
- 3 min de leitura
Carta adiantada, por motivo de viagem.
Trilha sonora para essa edição: Birthingbodies, Fuubutsushi
I
Fomos a uma feira de fotografia no fim de semana. Muitos estandes, de diferentes galerias, tinham faixas anunciando ”frágil” sobre as fotos. Nenhuma delas era, de fato, frágil. Quer dizer, as molduras e o vidro que as cobre podem ser frágeis, mas não as fotografias.
Se bem que, se expostas ao sol de maneira inadequada, também as fotografias podem ser frágeis.
II
É claro que não era a esse tipo de fragilidade que as faixas faziam alusão.
Chegando em casa, busquei no site da feira alguma referência às faixas anunciando a fragilidade das obras. Nada.
III
frágil
(frá·gil)
adjectivo de dois géneros
1. Quebradiço.
2. Efémero.
3. Fraco.
4. Sujeito a delinquir.
5. Que necessita de cuidados para se conservar.
"frágil", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

IV
Escolho a quarta acepção: sujeito a delinquir, que segundo o mesmo dicionário se define como sujeito a "cometer delito", sabendo, é claro, que também não deve ser exatamente para indicar isso que as faixas estavam ali colocadas.
As narrativas que cada fotografia, ou conjunto delas apresenta, pode ser um convite a quebrar regras, é claro, mas pressinto que também não é nada disso. A Pinta (esse é o nome da feira) informa em seu site que essa é a maior feira de fotografia da América Latina e que pretende “promover el desarrollo de la fotografía dentro del campo artístico y poner en valor su producción a nivel internacional.”. Tudo muito dentro das regras, por supuesto.
V
Volto então às outras definições da palavra frágil e começo a me perguntar sobre as relações entre fragilidade e vulnerabilidade. Me parece que se permitir estar vulnerável é de uma força que a fragilidade não abarca. Mas pode ser que eu esteja dizendo isso só porque seguir adiante com essa newsletter me faça me sentir vulnerável. E livre.
VI
Livre
(li.vre)
adjectivo de dois géneros
1. Que goza de liberdade.
2. Independente.
3. Que não tem peias.
4. Que pode dispor de si.
5. Que está em liberdade. = solto ≠ preso
6. Salvo (do perigo).
7. Isento.
8. Desimpedido, desobstruído.
9. Desembaraçado.
10. Que não está ocupado. = desocupado, disponível, vago, vazio ≠ cheio, ocupado, preenchido
11. Não comprometido ou obrigado.
12. Que não está ligado por vínculos matrimoniais.
13. Não proibido.
14. Não monopolizado.
15. Espontâneo.
16. Licencioso.
17. Descomedido.
18. [Versificação] Não rimado (ex.: verso livre). = branco, solto
"livre", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/livre.
Peço desculpas pela definição tão longa, mas às vezes preciso tomar a liberdade.
VII
Tenho me sentido cansada, sem muito ânimo para fazer as coisas, como quem me acompanha aqui já sabe. Mas, na segunda, fui ao teatro para ver uma encenação d’As aventuras da China Iron, da Gabriela Cabezón Câmara e meu cérebro virou geleia. Foi como uma espécie de gota d’água que entorna o balde.
A peça tem um cenário incrível, com projeções belas em uma série de cortinas brancas, e uma trilha sonora de emocionar, tocada e cantada ao vivo. Muito lindo tudo, só que eu tive dificuldade de acompanhar, me senti desconfortável na cadeira, incomodada por estar entre tanta gente.
Acho que tem sido esse o problema, não estou sabendo equacionar bem minhas reservas de energia para que elas sejam gastas com o que, de algum modo, também as repõe. Talvez esteja aí a diferença entre fragilidade e vulnerabilidade: ao me forçar a fazer mais do que minhas baterias permitem, me fragilizo.
VIII
A pausa da Sarabatana me dá medo, confesso. Não pretendo que seja uma pausa muito longa e tenho pensado muito em novas formas de manter a revista, sem gastar uma energia que não tenho. Quero fazer dela um espaço de manifestação artística bem escolhida, onde eu possa me mostrar vulnerável e livre, com possibilidade de experimentações que me levem cada vez mais para perto de mim. Se tiverem ideias, vou adorar ouvir!
IX
É possível que enquanto você estiver lendo essa carta, eu esteja voando para Ushuaia, o fim do mundo. Tudo parece convergir para uma mesma coisa, uma busca por novos rumos, o que é sempre frágil e livre, mas também assustador.
Devaneio. Busco fotos para ilustrar essa edição na galeria do meu celular, mas acabo me prendendo às selfies. Paro para observar meus próprios olhos ali plasmados. Reparo nos cabelos brancos, testemunhas da trajetória que me trouxe até aqui. E, finalmente, sorrio.
Ah, o substack deve sair em breve.
Um beijo,
Anna
📚Li Una noche con Sabrina Love, do Pedro Mairal, uma novela de formação que me deu saudade dos anos 90.




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