Newsletter - 13/09/24
- Anna Davison
- 13 de set. de 2024
- 3 min de leitura
Delicadeza. Terremotos. Elegância. O meu Japão.
Trilha sonora para essa edição: Folded Landscapes - Erland Cooper, Scottish Ensemble
I
Delicadeza.
Se tivesse que escolher uma palavra para definir o Japão, seria delicadeza. Nas minhas andanças por Tóquio, tenho coletado cenas de ternura e delicadeza profundas.
Ninguém parece ter pressa. Tudo é feito com apuro e intento.
Elegância seria a segunda palavra. Ainda que, muitas vezes, os gestos sejam quase teatrais, exagerados. Com frequência me sinto como se estivesse andando por um cenário. Sorrio.
Tudo é sereno, apesar da temperatura (e olha que eu gosto de calor). Tem momentos em que me parece que os japoneses ao meu redor não estão sentindo o mesmo calor e umidade que fazem o suor escorrer pelo meu corpo de forma insana.
As gotas me descem pelas pernas pelas costas pela barriga
Os óculos escorregam do nariz molhado
Ao redor elegância beleza
Frescor.

II
Dentro, muita turbulência.
Na minha ignorância, achava que a realização de sonhos sempre vinha com a mesma suavidade das japonesas elegantes, em confortáveis vestidos de linho, que flutuam nas plataformas das estações de metrô. Mas a realidade é sempre diferente, sofrida
[importante lição do budismo que não ando praticando e que me chama a cada esquina]
III
Fiz 45 anos há 10 dias.
E, como no aniversário de 40, criei expectativas tão grandes que não fui capaz de perceber que elas não só foram, sim, atingidas, como foram superadas. Como resultado, só sofri, me irritei e não vi leveza e beleza.
Depois, a bonança. A beleza do templo que abriga o túmulo do Yasujiro Ozu. A ternura do senhor de avental e cabelos brancos que sai de sua loja para oferecer pirulitos aos meninos pequenos que observam encantados um pequeno aquário disposto na rua em frente. A fofura das três meninas de 6 anos, de uniforme composto de saia plissada, camisa, sapato boneca, meias brancas e chapéu redondinho de palha, que voltam sozinhas para casa de trem.
Cenas de delicadeza que acontecem todo dia. Sorrio.
IV
Temos jantado com frequência no restaurante do Akira san.
É um restaurante muito pequeno, numa rua de fundos, bem perto de onde estamos hospedados, em um bairro residencial que mais parece uma cidade de interior. Minha casa no Japão.
Comer ali é uma festa. Os frequentadores assíduos, que agora já nos incluem, compartilham uma mesa e muitas conversas (no nosso caso, intermediadas por traduções feitas com o celular e um esforço grande para entender o inglês nem sempre fluido). Akira san produz na sua pequena cozinha as melhores comidas que já comi e, no salão, nos dá um curso intensivo de cultura japonesa: filmes, seriados, músicas, histórias.
Toda noite durmo muito rápido no meu fino futon sobre o chão de tatami. Sorrindo por me saber sortuda, mesmo que carregue no peito um mar em ressaca.

V
Quero usar esse tempo por aqui para entender onde quero estar no futuro próximo. Aproveito a possibilidade de total desligamento do trabalho e das responsabilidades da vida para buscar enxergar onde está o meu caminho.
O meu, quero dizer.
Não tem sido fácil, mas tenho aprendido com o Japão a viver os terremotos com elegância e delicadeza.
Até breve!
Anna
📚Não contei na minha última carta, mas antes de sair do Canadá, terminei de ler The life of insects, do Pelevin. Fiquei MUITO impactada. Que livro!
📚Tenho lido e escrito bem pouco aqui. Num ritmo muito lento, estou lendo Okasan, diario de una madre, da argentina Mori Ponsowy, em que ela conta de sua primeira viagem ao Japão, para visitar o filho jovem adulto que tinha se mudado para Tóquio. Não sei se estou gostando muito, mas é interessante compartilhar lugares com outra escritora.
Comments