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Newsletter - 06/06/25

Para meu irmão Pedro, por todos os meus textos que ele não pode ler.



I


Para mi hermano Pedro,

por las fotografias que no tomamos. 


Essa é a dedicatória do livro de ensaios da Isabel Zapata, Maneras de desaparecer, que li no dia em que retomei o trabalho no meu livro que trata da morte do meu irmão Pedro. O manuscrito estava na gaveta há aproximadamente um ano.


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Li e reli muitas vezes, como se meus olhos estivessem criando uma verdade que não existia. Tirei uma foto, para transformar a ideia em uma coisa concreta: a dedicatória que deveria vir na primeira página do meu livro. Pensei em outras maneiras de dizer essa frase. Senti umas lágrimas quentes se acumulando nos meus olhos e quis abraçar a Isabel, mesmo sem saber porque ela não pôde tirar essas fotos com seu irmão Pedro.


II


Há um ano, em uma aula com a escritora Flávia Péret, ela falou das inúmeras coincidências que aparecem quando estamos no nosso fluxo criativo. Depois, ouvi esse mesmo espanto de outras escritoras. Vejo que também se passa comigo e quero entender se há algum sinal nisso, alguma coisa que me diga que é esse o caminho e que é seguro, mesmo que eu talvez já não exista mais, tal como sou, no final do processo. Morro um pouco a cada palavra que escrevo. Ou, quiçá, nasço de outra forma. Queria saber o que o Pedro acharia de mim depois que eu terminar de trocar de pele.


Para meu irmão Pedro,

por todas as conversas que não tivemos.


III


Isabel Zapata, discutindo o livro Sobre a fotografia, da Susan Sontag, nos lembra de que a fotografia é uma forma de alucinação. Escrevo na margem da página de seu livro que a escrita também. As fotografias permitem a posse imaginária de um passado irreal. Imaginária como toda posse, dizem elas. É isso que faço com as palavras no livro sobre meu luto pela perda do meu irmão, busco possuir um passado irreal, em que as coisas aconteceram tal como foi possível para mim guardá-las. Teimo em esquecer a parte de que tudo é também uma invenção. A perda não é minha (ou não só), as memórias também não. A posse não é possível. Ainda assim, preciso contar, caminhar até o fim da trilha que me leva até essa eu escritora.


Para meu irmão Pedro,

por todos os caminhos que não percorremos.


IV


Ontem de noite, escutei no escuro, deitada de olhos fechados, todos os clássicos do Cazuza. Em algum acorde, comecei a chorar. Não de tristeza, mas de clareza. Uma catarse muito necessária para que eu entenda que já não há volta, aquilo dentro de mim que deseja deve ter os caminhos desobstruídos. Preciso me deixar criar, sair das sombras em que me meti por medo da rejeição e da crítica. A dor maior já passou e, por isso mesmo, já passa da hora de escrever sobre ela.


É que no importa tu historia personal, esa anédocta que de tanto contarla te resulta extraña, como bem me lembrou Clara Muschietti, se a história não for contada, não vai haver consolo, nem alegria.


Para meu irmão Pedro,

por todas as músicas que não cantamos juntos.


V


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Caminho pelas ruas de Buenos Aires buscando as fotos que não tirei, as músicas que não ouvi, os desejos que ainda não sei que tenho. Quero tropeçar nos poemas.  Escrevo mentalmente muitos textos que nunca vão ser plasmados no papel. Não porque eu não queira, mas porque as mudanças andam muito rápidas por aqui. Tem sido bom.


Para meu irmão Pedro,

por todos os brindes que não fizemos.



Até breve,

Anna


📚Li La vida normal, da Clara Muschietti, em uma sentada. É uma delícia de livro.


📚 Maneras de desaparecer, da Isabel Zapata, segue me trazendo coisas para pensar, pousado na cabeceira.


📚Li também Devotion da Patti Smith, um de seus livros menores, mas que, ainda assim, me deu desejo de escrever mais.


📚Estou lendo a recém saída biografia da Yoko Ono, escrita pelo David Sheff. Só digo uma coisa: que artista!

 
 
 

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