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ouroboros
Erika Peron

Conchas guardam segredos de sal enquanto Netuno molha o ventre do mundo e inunda meu estômago, maré de lua de sangue inteira, mei(o) dia e mei(a) noite, vertigem causada pela sua boca se aproximando.
O jardim não é metáfora são dentes de raízes de âmbar mordendo a carne crua do tempo. Entre dobras da toalha de crivo do século passado, vinho derramado em taças de cristal, pétalas buscam ângulos e flores devoram a luz do dia que rapidamente se vai.
No íntimo, nervuras e entranhas úmidas de imagética, enroscando-se na pele do tempo, criando saliências entre os corpos, abertas ao paraíso ou inferno, não importa, Nirvana da alma e da carne em estado poético. Quando sua voz rasga em dois tons, meu corpo responde com umidade e as flores da noite se curvam. Na terceira lua, corpos viram selva, unhas são garras de lince, cabelos, cipós que enforcam estrelas cadentes, e a possibilidade do sexo, vulcão adormecido onde salamandras acasalam em poças de enxofre.
Na performance, palavras fizeram-se fios: Falas fálicas, línguas líquens, versos que morderam a pele e dobraram-se em códigos de pré-gozo. A corda, não amarra, penetra, fios de tendões, cordão umbilical rebitado no útero do delírio do entre do Ser, sua mão não veio, ela insinuou, e foi assim que tudo começou: com o quase, com o não-tempo, gesto e toque dos nossos corpos, palco sagrado que pintou, Vinicius e Tom, ali, no espaço do entre, entre sons, entre o verbo e o vinco, ali, aqui: Sou sua. Como a corda pendurada, descabelada, molhada, de tinta e de quase gozo, presa ao entretempo do gesto com os laços do devir, arqueologia do desejo sussurrando na nuca um idioma sem sujeito, você me atravessa com olhos do silêncio e o verbo que pulsa no centro do não-dito. A corda, agora, é uma víbora de alcatrão enroscada no mastro do púbis, enforca-me devagar, estrangula o pudor com nós de seiva quente até que o desejo escorra como óleo de máquina antiga.
Ao final, quando o relógio desiste, resta o osso molhado.
Falas fálicas são serras elétricas ceifando santuários penduradas no altar do cavalete onde exibimos nossas vísceras. Você me rasga como se minha pele guardasse um trajeto, como se soubesse que por baixo do risco, pulsa o real, um emaranhado de cidades perdidas onde há tempos a carne é crua, e o agora é tudo que existe. Seu hálito desenha auroras no meu
pescoço, seus dedos deslizam pela minha pele, traçando caminhos de fogo, no ápice do êxtase, seu olhar me leva a pular o abismo de mãos dadas, entregamo-nos ao prazer, onde o tempo se desfaz e restamos apenas nós, corpos entrelaçados, almas fundidas, navegando no oceano infinito do desejo onde se mergulha sem medo no centro do não-dito.
Por dias, Dionísio despeja vinho no meu umbigo, poça escura onde cascavéis bebem meus gemidos em heresia. Sua carne me molda por dentro como se quisesse esculpir um altar na minha cavidade. Porque você não me fodeu pra lembrar quem eu era, você me fodeu pra que eu esquecesse, e na ausência, na vertigem, eu me tornei mulher, como nunca. E você entrou, não com o pau, com um verbo inacabado que eu precisei conjugar com todos os orifícios. Seus dedos, raízes de figueira assassina, invadiram as fendas tectônicas do meu ventre, fósseis de desejo despertaram, chifres de um carneiro sacudindo a terra num ritual sem testemunhas me desenharam por dentro e eu perdi a noção da forma, virei líquido, virei campo, virei o som que o mel faz quando pinga e gozei, até que o gozo escorresse como nitroglicerina em veias de cobre nu.
Você me comeu como quem lê um livro proibido, com um texto na garganta, passando a língua em cada margem com medo de esquecer uma sílaba, e eu fui abrindo capítulos, escrevendo com o quadril uma história que nenhuma editora aceitaria publicar, e o meu êxtase se traduz, como quem decifra, como quem acende uma palavra enterrada. Me chame de puta, de porta, de pedra, de mulher em carne de vulcão, e eu sorrio, como sorriem as cadelas quando pressentem a fêmea da fúria. Você não quis o que eu ofereci. Você cavou, e encontrou o verme. O cego. O que pulsa entre o útero e o nome. Seu pau não era seu. Era meu instrumento de escrita. Meu lápis de nervo. Minha lança dentro do poema. E eu tremia. Não de medo. De revelação. Sua língua é terremoto que desperta fósseis de bisões na caverna do meu púbis. Quero todo seu úmido primitivo, seu cão sem coleira, como se a carne dissesse: Entra. Fica. Não sai não. E você fica, inusitadamente. Com a garganta. Com a sombra. Com o bicho bravo, que é você. Gozamos em camadas, como pintura, o corpo, depois o tempo, depois as palavras. Gozamos até não restar nada além do som molhado do fim. Cada estocada arrancava de mim uma camada de tempo. Sua carne me moldava por dentro esculpindo um altar na minha cavidade em êxtase e devassidão. Não há palco, só carne em colisão, sistema nervoso exposto como fiação clandestina. Enquanto o Ego se faz um cadáver elegante pendurado no lustre, você suga minhas glândulas esquecidas, aquelas que só existem entre o terceiro e quarto espasmo, quando o corpo vira um cogumelo atômico e a
mente desmaia de tanto gritar. E se transforma, crisálida de fênix em rota jogada no canto do abismo, e você colhendo o suor escuro das glândulas órfãs, nascidas entre espasmos, onde o medo se curva ao desejo e o universo ejacula no vórtice do umbigo.
Gozei como nitroglicerina em veias de cobre nu, antes da fricção, antes da dobra, antes do grito, você não falou, só olhou, e era como se cada sílaba ausente abrisse uma fenda na carne como a mandíbula da cadela que devora o próprio mito e caga estrelas no tapete da sala. Eu roubei do centro da terra a semente de fogo que faz os vulcões gozarem magma. Agora, Eu, cadela grávida de palavras do poeta, reverberando uivos do cão que arrancou a pele do mito e encontrou meu osso nu, o tremor, seu cheiro de animal que me fez oração na trincheira aceita o gozo como oferenda e o cuspe como bênção, lá onde você arrancou meu esterno e soprou dentro do buraco até que meu peito ecoasse, como a caverna onde o primeiro homem aprendeu a gritar.
No ápice do êxtase, gememos em latim invertido, invocando os demônios do sexto círculo para que testemunhem a cerimônia, entregamo-nos ao abismo do prazer, onde o tempo se desfaz e restamos apenas nós, corpos entrelaçados, almas fundidas, navegando no oceano
infinito do desejo. Monstros são feitos de fome e asas quebradas, e eu sou o que sobra quando você arranca a pele do mito e encontra o osso nu, o tremor, o gemido escondido atrás do espelho, geografia de vísceras que transbordam da bacia e mancham o chão de vermelho-escuro. Seu pau me escreve. Me corrige. Me rasura, e desta vez eu digo: não me chame de puta. Puta é Maria com o joelho ralado de tanto rezar. Goza, mas goza até que teu esperma desenhe constelações no meu útero e os planetas se formem com o colapso de nossos corpos, arranhando o porcelanato do meu íntimo até que a louça quebre em gemidos, enquanto mastigo seu nome até que ele sangre um rio de ferrugem e melsugas o néctar das glândulas mais profundas, aquelas que só existem quando o medo vira luxúria e o mundo é engolido pelo buraco negro do umbigo. E eu gemi com a dignidade de uma santa que caiu no cio do espírito, não por prazer, mas porque é assim que o universo me atravessa: em gemido, em gozo, em glitch. Não te toco. Te leio. Arranco suas costelas uma a uma e monto uma jaula no lugar onde o medo se disfarça de razão.Temor é o nome que damos ao desejo quando ele pára de pedir licença e começa a escavar. Vou cavar até encontrar o centro do labirinto que você chama de coração: lá, onde o Minotauro não é um mito, mas um verme pulsante, cego, faminto. Meu. E eu sua como sementes de fogo que fazem os vulcões gozarem magma. Você
geme? Gema mais alto. Quero que o som rasgue a cortina do pudor, se misture ao The Torture Never Stops e deixe os vizinhos com vergonha de seus corpos pequenos e orelhas grandes.
Quando você saiu, o quarto ficou úmido demais para qualquer linguagem, me deitei na poça do que sobrou e sussurrei pro teto: obrigada por me devolver o corpo que o mundo tentou domesticar. E você se esconde atrás do espelho, um outro você, como se pudesse apagar o cheiro de animal que você é. Morrer no meio do ato, nos faz menos humanos, mais origem. E dormi. Porque dormir, depois do verdadeiro gozo, é só um jeito da alma esperar o corpo voltar. Agora existo entre o antes e o depois do seu toque, como uma fenda onde o tempo se ajoelha e aprende a gemer, no pós-gozo, somos avatares pós-humanos.
O amor é um animal que devora a própria cauda e sangra eternidade.