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Resenha do livro Kindred: laços de sangue, de Octavia Butler
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Título: Kindred: laços de sangue
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Autora: Octavia Butler
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Editora: Morro Branco
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Ano: 2017
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Páginas: 432
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Tradução: Carolina Caires Coelho
Há anos escrevo uma história de ficção científica que um dia, confio, verá a luz do dia. Por causa dela, venho explorando autoras e autores desse gênero, dos mais famosos aos menos conhecidos. Nessa aventura, topei com a fabulosa Octavia Butler! Embora seja uma autora renomada nos Estados Unidos, nunca teve grande relevância no mercado editorial brasileiro. O livro alvo da presente resenha, por exemplo, só foi editado no Brasil em 2017, pela editora Morro Branco, quase 40 anos após sua primeira publicação, em junho de 1979.
O interessante é notar que, embora a autora tenha uma predileção pela ficção científica, ela mesma, assim como vários pesquisadores e críticos literários, não classificam o livro Kindred como pertencente ao gênero ou a um só gênero. Sendo assim, Butler o classifica como um livro de fantasia, e uma parte importante dos estudiosos o classifica como pertencente ao gênero “narrativas escravas” ou “narrativas de escravos”. O fato é que o livro trabalha com a ideia de viagens no tempo, que transportam uma mulher negra do ano de 1976 ao começo do século XIX, resultando em sua escravização. É uma obra que retoma questões históricas, trazendo para a contemporaneidade fatos tidos muitas vezes como superados, mas que estão, na realidade, presentes no nosso cotidiano. Butler, de maneira muito criativa, em vez de escrever um romance histórico, usa a viagem no tempo para transportar uma pessoa dos anos 70 para o período da escravidão nos Estados Unidos, mergulhando-nos abruptamente no horror da história ao nos confrontar diretamente com ela. É um livro que narra os impactos do racismo, do machismo e dos movimentos supremacistas brancos.
Em Kindred, traduzido no Brasil como “Kindred: laços de Sangue”, encontramos um romance contundente que narra a história de Dana, uma jovem mulher negra, recém casada com Kevin, um homem branco. No dia em que completa 26 anos, Dana está em sua casa quando, de repente, se sente fraca e desmaia, para logo desaparecer, e reaparecer alguns instantes mais tarde, encharcada e enlameada. Começa então uma saga de partidas e chegadas incontroláveis, viagens que a propulsionam ao passado escravocrata de seu país, e que a faz conhecer alguns de seus ascendentes em uma plantação no sul dos Estados Unidos.
Acompanhamos assim a personagem principal em seus medos e nas condições de vida deploráveis que enfrenta quando está no passado. É interessante notar como a autora nos apresenta uma personagem capaz de uma grande adaptabilidade, posto que é forçada a resistir para sobreviver, na esperança de recuperar sua vida, mas também, para proteger seus familiares e garantir seu próprio nascimento.
Para mim se tratou de um livro muito cativante, tanto pelo poder do enredo quanto pelos personagens, que são complexos e realistas. Além disso, notamos que Butler trata de se afastar de todo maniqueísmo e busca colocar em seu contexto a situação atroz na qual tanto Dana, como as outras pessoas escravizadas, se encontram. Confrontada com uma situação inexplicável, o comportamento de Dana é bastante crível, tornando aceitável o princípio da viagem no tempo, embora desprovido de qualquer explicação. A angústia que me acompanhou durante a leitura dizia respeito antes à realidade aterrorizante da história da escravidão, seguida da ansiedade em saber como – e se – aquela situação se resolveria.
Finalmente, Kindred é para mim um romance muito bem elaborado, com um enredo inteligente e personagens muito bem construídos. O mergulho nos dias sórdidos da escravidão torna a leitura às vezes difícil, mas esse romance também não deixa de ser belo, oferecendo-nos uma reflexão profunda sobre os mecanismos de dominação branca e a escravização de pessoas. Recomendo muito a leitura.