%20(8).png)
Seis minutos de solidão
Erivelto Carvalho

No meio da festa, ouvindo uns argentinos ao longe cantando o decime qué se siente, os dois caminhavam como o que eram, como dois fantasmas em meio à marasma de jovens enlouquecidos que saíram para comemorar a derrota.
– Foi assim em antes, e em 54, 66, 74, 78, 82, 86 e 90, 98, 2006 e na Copa passada, e isso porque estou falando de coisas que nem vi… Mas pressenti que ia ser assim.
– O que dizer, meu caro, o que dizer? É certo que a preocupação de Merkel com os espiões americanos não deve preocupar a Kroos, que estufou impiedosamente as redes do indefeso Júlio César por duas vezes. A decadência do Império Romano começou com as invasões germânicas, todos sabemos.
O amigo acendeu o enésimo cigarro barato, aquele que parecia ser o primeiro mas era o último, o cigarro dos condenados.
– É, daqui a pouco Dolores vem me buscar.
– Não, ainda resta o terceiro lugar.
– O terceiro lugar é só a confirmação da nossa vira-latice epistemológica, da nossa cretinice fundamental, não se trata de uma disputa digna.
– Mas, e o ânimo, José?
– Os ânimos foram para as cucuias há muito tempo. Maldita a hora em que escrevi que perder é fundamental. Nem sempre o é, depende de como se perde.
– E agora, o que te vem à cabeça?
– Frases, nada mais do que frases de efeito. Imagens perdidas, como o do segundo gol o de Klose, que recebeu em boa condição para bater dentro da área e ainda recolheu o rebote deixado pela sombra de goleiro que tínhamos em campo. Um desastre, um grande desastre acompanhado de marcas, recordes, que mais tarde se esquecerão como nos esquecemos agora de Barbosa.
– Que frase te vem?
– A primeira é: o sorriso de Barbosa viaja da Guanabara e vai dar no Isar. Outro sorriso, neste caso, é o de Carlos Dunga, que não é o anãozinho da Branca do Neves, obviamente.
– Não te entendo.
– Falo de política.
– Fale de futebol, por favor.
– Não posso, estou tomando pelas frases e pelas explicações breves, de efeito.
– Lo Bueno, si breve, dos veces bueno, como diria o velho Machado.
– Não sei se Machado assinaria isso.
E então os dois deram dois sorvos bem fortes nos seus respectivos copos. Estavam em plena Praça 7, no Pirulito belo-horizontino.
– E agora, José, o que fazer?
– Agora é nada. Macumba de pataxó desempata até Campeonato Bahiano. Vamos a um lugar que quero te mostrar.
E pegaram mais um táxi, mais uma vez.
No caminho receberam uma mensagem por celular de Dolores, que acalmou ao amigo dizendo que por agora não ia mais fazer nenhuma visita, seu trabalho já estava cumprido, e que no sábado e no domingo iria só dar um beijo rápido nos rapazes de cada equipe e que cada um voltasse para a sua grandeza ou miséria, a sua comemoração ou choro, o seu dia-a-dia na equipe de todo dia, nos campeonatos nacionais de todos os anos.
Chegaram lá, ou melhor, voltaram para a Pampulha. Só que dessa vez não entraram no Mineiro Grande ou no Mineirazo, foram bordeando a lagoa até se aproximar da Igrejinha.
Se era noite ou dia, ninguém sabia. Fantasma não tem hora para entrar nos lugares. Os dois foram chegando e se aproximaram do afresco.
O homem do cachimbo ficou impressionado com a imagem do cachorro ao lado de São Francisco.
O outro só lhe disse:
– É isso, meu amigo. Somos vira-latas. Quando nos entregamos à derrota, pensando que ela nunca pode acontecer, não apenas sentimos um complexo, agimos como vira-latas. Há muitos destes no meu país, infelizmente, mas não é no plano esportivo. É sobretudo no plano ético, político, e não é o povo que é assim. Nesse sentido temos muito que aprender com o futebol.
O outro, depois de ouvir essas palavras, e diante da imagem do afresco, só pode lembrar de uma das pinturas inacabadas de Goya, a do cachorro fundido, e do Coloquio de los perros de Cervantes, e pensou que talvez o que estivesse faltando a um mundo tão doente como esse fosse, de fato. um hospital da alma.
E continuava a pensar nisso enquanto as bombas estouravam na Palestina, e o goleiro Neuer não fazia nada.
Brasil 1-7 Alemanha
8-07-2014
[Esse fragmento faz parte de NovesForaCopa. Velhas crônicas futboleiras, na sua segunda edição brasileira de 2022. Uma primeira versão do livro foi publicado em Puebla em 2018].


