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Poemas Fantásticos e outras Digressões

José Ruy Pimentel de Castro

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I- A esperança faz parir o novo,
mas de quê esgarçamento do velho
vem à luz a esperança?
Que sêmen fecunda o pé rachado
das andanças?
Que útero abriga o óvulo enfado
a tramar visitações?
“Conformar-se é ser um pouco
estéril”, informa o corpo
da última menstruação
que não ousa ser alma,
que não ousa ser nada.
Qual é a gota d’água
que viola os espaços
e escorre pela borda?
Esperança: filha tardia
de pais anciãos.



II- Olho por sobre o topo das vigas,
das telhas, das trilhas;
lugar de evaporar-se
onde a fumaça e a nuvem
imiscuem-se das vísceras
da cinza do céu.
É noite.
O que faço essa hora
nos vastos campos
tampouco eu sei,
mas percebo abaixo
de todo vapor
a luz da janela
e um aceno de dentro do trem.
Logo eu, a catar os meus milhos.
Logo eu, a catar os meus grãos.
Como um livro abriu-se o aceno
e dois beijos caíram no chão.
No lugar onde esvaíram-se, abscesso.
Quando transborda a dor
para onde é que escorre
o excesso?
Tragou-me a terra
e ali, no meio da plantação,
sob a proteção de Ártemis,
nasceu um caule
de absinto.



III- Cresço feito losna.
Acima de mim a lua
para a qual um cão ao longe
hora ladra, hora rosna,
mas eis que também ora
com as mãos erguidas feito caules
e pêlo feito folhas.
Espera uma visitação
e um enlevo de espírito.
Espera ultrapassar atmosferas.
Espera povoar outro solo.
Deve ser mais fácil fincar raízes
em solo lunar,
mas haverá nutrientes ali
para uma nova Eva,
para um novo Adão?
(ou mesmo um cão?)



IV- Penso evitar que poluam
o vão que há
entre a Terra e a lua
minhas vãs divagações.
Todas elas, porém,
caberiam em qualquer firmamento.
É ali, no meio exato,
mesmo sem usarem do tato,
que tocam-me as forças.
Paira no ar naquele momento,
em gravidade zero,
um corpo que já não reconhece laços;
que estende as folhas para o escuro,
que estende raízes querendo luz.
Já não tem a função do ser
que outrora era,
nem se é livre de si
o tanto quanto supus.



V- Sigo em direção
ao cardume de rochas celestes
enquanto as forças resolvem
o que fazem de mim.
Passa por mim o asteróide
mais lindo que já vi.
O vácuo, porém, rouba-me todo intento
como que ávido dos restos de vida
que as palavras inserem
naquele silêncio.
O elogio que faço e reverbero
só se ouve aqui por dentro.
Sou diálogo sem interlocutor;
um pouco mais que um monólogo,
um pouco menos que qualquer conversa.
Uma carta sem leitor.
Uma mensagem natimorta.
Os primeiros raios de sol
sem qualquer gente na praia.
Um encontro fortuito
que a natureza insiste em reduzir
a algo bem próximo
do nada.



VI- É solitário demais
flutuar por aqui.
Todos os planetas
e os corpos girando em suas órbitas
parecem sorrir.
No momento, sou estorvo.
Tudo aquém do contentamento
é condenado de forma enfática
por aquilo que mora
no centro da galáxia.
E eu, graveto-cão,
pareço quebrar a harmonia
das dinâmicas céleres
que deixam por hora escondidas
suas anemias.
O fim do universo, um dia,
será uma câmara fria,
hermética,
sem que se deixem antever as paredes
da entropia.



VII- O que seria, porém,
essa estética do movimento
senão um subterfúgio?
Uma tentativa loquaz
do parimento de razões
diante da vastidão do vazio?
Talvez um resquício de brio
daquilo que o homem,
por bem ou por mal,
entende ser de seu feitio.
Embora isso se presuma,
que trabalho, aqui, modifica os meios
quando já se esqueceu o começo
e ainda não se tem indícios do fim?
Propósito: palavra luxo
a debater-se no fluxo
das imensidões.



VIII- No assoalho do universo
um fungo do tamanho
de uma vela
ou seria uma quimera
posto que é luz?
Fruto das frivolidades
que juntas se tornam seriedade
diante da maldade
dos dias sem
solução.
(Há quem varra este pó?)
E assim se fez vida
nesse canto do espaço
(eu, fruto da Terra,
já não estou tão só).



IX- O fungo me olhou
e a luz da vela
viu propósito.
Clareou-me o corpo vitrificado
que carrega espasmos
que acredito serem memória.
Disse que também se sentia só,
mas que ver-me havia mudado tudo.
Apagou-se de uma vez,
deixando-me sem qualquer dó,
restando seu corpo
como anã negra.



X- Un astronauta fallido
salió de Alcántara un día.
Iba con tres condiciones:
el enfado, la curiosidad y la arrogancia.
Hacia el hondo profundo
de fronteras que se abrían.
Fue con tres condiciones:
el enfado, la curiosidad y la arrogancia.
Mira, tu, que cosas pasan
que años-luces después
en este espacio lejano
yo perdí a mí querer.
Viva al destino aleatorio
y a las duras lecciones
que les quitan las ‘vivas’
al enfado, a la curiosidad y a la arrogancia.



XI- Qual dialética trabalha
o pós propósito?
(Preemptively
preferably,
not postponing
querels.)
Sem um clarão marcando os dias,
toda lição é meio letárgica.
Os embates fenecem nas tardes
que embaçam qualquer querer.
(assim imagino, estando longe
do alcance do último
raio de sol.)



XII- Nos rincões dessa imensidão árida
já não há forças que seduzam.
O corpo permanece em movimento
sem gravidades que o atraiam.
Tudo ao redor é duna
que, embora sem vento,
insiste em formar nova paisagem
que um dia já foi vista.
Ávida por assentamento
tragou os dias que habitavam
as moradas dos deuses.
Que trágica é a imagem do Olimpo arrasado
sem o aroma e a leveza
de seus jardins!
Sou a vergonha de Ártemis;
esta, engolida por mim
no horizonte de eventos.
Eu, losna/cão,
arquétipo da loucura
de um universo em construção.

Edição 3

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