Newsletter - 06/12/24
- Anna Davison
- 6 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
Sarabatana nº 6 estará no ar a qualquer momento agora!
Trilha sonora para essa edição: L'or du temps, Keiko Ishida
I
Foi num 6 de dezembro que meu avô morreu. Minha avó tinha ido antes dele, mas eu era muito pequena, de modo que a perda do meu avô foi a primeira grande dor que vivi. Ele era e é uma referência importante para mim e, à medida que me aproximo mais do mundo das letras, quero crer que me torno mais como ele, o professor. Ele, que deu aulas de português para gerações e tinha sempre um livro na mão. Meu avô. Gosto de pensar que ele se orgulharia de me ver publicando um livro. E penso muito nas conversas que poderíamos ter se nos encontrássemos hoje.
Há umas semanas, fui ao lançamento do último livro do Mia Couto, A Cegueira do Rio. No evento, ele me trouxe lágrimas aos olhos por duas vezes: uma quando disse que seus pais tinham se esforçado para dar aos filhos como herança um senso de eternidade. Outra, quando ele contou que, na saída do enterro de seu pai, ele percebeu que precisava se perder pela cidade. Caminhar sem rumo até fazer sentido daquele dia. Foi quando um homem que ele não conhecia se aproximou e lhe disse que seu pai não estava morto, porque Mia é seu pai.
Val Prochnow, que escreveu o posfácio do meu livro, disse que ali eu estava a “operar a linguagem, a literatura e a poesia de modo a usar os mesmos mapas trilhados por Mia Couto”. Um grande elogio, certamente, mas depois de escutá-lo ao vivo, penso que somos todos interligados mesmo. Eu sou Mia. Mia é seu pai. Seu pai é o homem que o abordou no dia do enterro. O enterro do meu avô.

II
Um dos trabalhos finais da pós-graduação em escrita criativa que estou fazendo é um amigo oculto de zines. Temos que criar um presente a partir de fotos e um texto enviado pelo nosso amigo oculto. A pessoa que tirei mandou fotos da avó e falou do medo de esquecê-la. Note, não o medo de perder a avó, mas o medo de esquecê-la. Para fazer a zine, tenho me debruçado muito sobre essa ideia. Me pergunto, aliás, se é mais real a memória, ou a existência física. De algum modo, é verdade que sejamos todos aqueles que perdemos, porque eles passam a habitar nossas lembranças.
Penso que não é à toa que lembrança seja também um sinônimo para presente.
III
Uma linda notícia: a qualquer momento estará no ar a Sarabatana nº6!
Essa é uma edição especial, por acaso. Mas não vou dar spoilers.

IV
Outra linda notícia: minha editora me disse ontem que meu livro, escrever de boca aberta, está no prelo!
Muito louco isso de lançar um livro. Acho que já disse antes que é um misto de alegria, vergonha e medo. Tudo ao mesmo tempo. É mesmo preciso estar presente.
V
Fico por aqui, mas deixo um poeminha do livro:
seca
as flores estão murchas
nas calçadas e no vaso
sobre a mesa
separo as mais mortas
amarro de cabeça para baixo
para ver se preservam
alguma beleza
a casa cheira a arroz
[não ao pó de arroz que as avós
há três gerações usavam
para se fazerem mais belas]
cozinho como se assim pudesse
garantir algum sustento
tenho medo de comer
como se meu corpo precisasse
secar como as flores
no meio do verão
Até breve,
Anna
📚Li Escute as Feras da Nastassja Martin. É um livro denso, entre a etnografia e a autobiografia. Bonito, muitas vezes difícil, mas muito inspirador. Ainda mais para mim, que ando tanto perseguindo o viver de uma forma que honre mais os meus próprios desejos.
📚Nomadismo por mi país, da Cecília Pavón, é uma delícia. E dá uma vontade imensa de dar aulas de escrita. Bora?
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