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Recontando o Natal
Ian Anderson Gomes Dias

Cinco da manhã. A névoa matutina que invadia a janela do quarto unia-se suavemente com o aroma do petricor. Em toda a minha inocência, perguntei-me se o Natal já teria começado. Tendo raramente acordado tão cedo, via aquele momento de brumas sinistras e de tímidos raios nascentes de sol como um mundo novo, diferente, um mundo em que talvez ainda não fosse Natal, e por isso, não fosse possível abrir meus presentes. Isso tudo era sem precedentes.
O certo sempre fora acordar lá pelas nove, tomar café, comer uma fatia generosa de panetone, e só aí correr para o pé da árvore em busca do embrulho prometido, com seu papel com estampa de dinossauros e seus laços prateados de fitilho. Mas levantar antes mesmo do café estar pronto, antes do mundo ter sido construído, da vida ter começado de fato, isso não se faz. Temi pela integridade do feriado, mas era impossível aguentar mais. Desperto há muito, cansara de rolar entediado e ansioso pela cama a espera do retorno do sono ou do amanhecer definitivo. Levantei-me e tornei-me duas vezes criança, encarnando a coragem temerosa e aventureira de que só os pequenos são capazes.
Pé ante pé, fui silenciosamente até a sala de estar, e vi os pisca-piscas encantados que preenchiam o cômodo com seu brilho. Um outro som, entretanto, chamou minha atenção. Subi as escadas e encontrei o meu pai acordado distraidamente assistindo televisão. Era uma lei da natureza. Ao dormir e ao acordar, o pai estaria no sofá, assistindo algum programa inteligível sobre carros, ou casas, ou cotações da bolsa de valores na Índia. O som quase imperceptível do bebericar das xícaras de café e latas de cerveja, presentes na parte da manhã e da noite respectivamente, acalentavam-me imensamente.
Ele sorriu ao me ver, como sempre fazia. Algumas coisas nunca mudam. Se eu o surpreendi estando acordado tão cedo, definitivamente não transpareceu. Era como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, hábito inquestionável, sem a menor anormalidade. Sem a necessidade de palavras, perguntei com o olhar se poderia ir sanar meu anseio infantil. Com um leve aceno de cabeça, ele respondeu silenciosamente que sim.
Voltei à sala onde meu presente aguardava aos pés da grande árvore purpurinada. Não era uma árvore natural, claro, mas seus galhos de plástico eram tão verdadeiros quanto os de qualquer pinheiro. Ao aproximar-me dela, mal percebi que o menino Jesus magicamente, ou talvez devia dizer milagrosamente, aparecera no presépio que jazia sobre a grande mesa de centro. Meu Natal nunca fora sobre isso, sobre ele. Era festa, sim, mas nunca de aniversário.
Tomei em minhas mãos o embrulho verde com meu nome. Eu havia escolhido o presente, como sempre fazia, mas havia ainda algo de surpreendente naquele ato de abrir um pacote. Afinal, não era sobre o presente também.


