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a vista do rio d'ouro

Yana Campos

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Primeiro era setembro, depois era João. E depois de João era breu. Simplesmente porque a morte de meus entes já havia se passado há longo tempo, e já fazia tempo que eu também estava morta. E havia uma rua com o nome de um deles, num local difícil de acessar. Primeiro era setembro, depois era João e veio o inverno. E eu já não percebia as coisas que comia ou falava ou com quem eu me deitava, embora me deitasse sempre só. Não sei por que não me deitei com ninguém mais depois do João. Nem porque o mês ralentou e a agonia começou a destilar sinceridades. Porque sim amava João. Amava, mas entregue a morte precisava de algo que João não tinha. João tinha casa, carro, família, mas não tinha uma coisa. João não tinha a mim. Porque eu, essa, não sou, embora houvesse sido, de ninguém. Depois eu pensei em morrer em novembro, uma coisa suscitou outra. Já não morava onde sabia nem com quem sabia, e o mês de setembro nunca mais voltou. Em algum lugar da rua está o nome daquele que foi meu bisavô e o nome era em parte, o mesmo nome, sem abreviações, sem colisões. Agora eu vazia, ou a rua, ambas à  beira da morte encaram a altura do rio, o quanto ele está alto e me olha lá de cima. A lava fria queima a pele, mas não apaga a alma. Um tremendo desgosto lusitano é uma forma de desconstruir a idéia que eu sempre tive de mim, já não há mais caminho, sorte no destino é praga. Velha nas veias são pontadas no peito do detergente no soro ao lado da cama, ligando o quarto a cozinha, num hospital imaginário visto pelo rio, que me olha profundamente essa noite. João não existe mais, embora novembro demore a passar e o frio se instale. Eu não amo mais aquele que não teve aquilo que nunca existiu, o sentido disso é que aquela que fui está ainda presa no celeiro do desgosto e presa ao rio. 

 

O rio é imenso e acena nas pedras como uma vida a despedir-se, encontrar sua presença é nunca ter merecido sair desse lugar. A lembrança do olhar de reprovação: você não está nada certa na vida. E eu pergunto: a vida é certa para quem alguma vez? Famintos, prostitutas, mendigos, ricos, intelectuais, bestas de mil cabeças, e ainda a única coisa que importa é a velhice, chegar ao pódio da lápide, sem deixar assinaturas. Os cemitérios estão lotados de pessoas certas que alguém julgou um dia serem erradas. E lá também se encontram ainda fios de cabelo como no ralo da minha pia, o rio é o fim de tudo, um coito escondido do peixe com o anzol, nem se fere, nem se mata, se come. 

 

Perguntaram se eu sabia falar e escrever na minha língua e duvidaram que eu soubesse calcular e eu respondi: uma página não vale nada e nem mais outra e métrica nenhuma.

 

O amor não vale nada, apenas para desfazer os laços, chicotear, bater, soltar os cavalos. 

 

Novembro virá tarde, ainda falta para setembro, ainda falta a comunhão dos passos com o tráfego, ainda faltam as borboletas que não existem mais. Ainda falta aprender a ler e a escrever e a calcular o que bem no fundo pode ser entendido como, ainda falta aprender essa segunda pátria, sendo o conceito exato de uma pátria: aquele lugar que não te quer. 

​Número 7

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