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Newsletter – 02/02/24

Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.

Trilha sonora para essa edição: Canto de Yemanjá, Baden e Vinícius

I

02 de fevereiro é dia de Iemanjá. Peço logo licença a ela para adentrar esse pequenino mar de palavras. Odoyá!

II

Já faz um tempo que venho pensando muito sobre a ideia de sucesso. Como é que eu posso saber que fui bem sucedida em alguma coisa? Cada vez mais, acredito que tem a ver com um sentimento. Não acho que existam marcadores externos, pontes a serem cruzadas, ou lugares a serem alcançados. Não existe uma dimensão mensurável para a grandeza de se saber tendo escolhido o melhor caminho. Ou melhor, o meu caminho. Ser bem sucedido deve ter a ver com se sentir bem a cada dia com as opções que fazemos, mesmo que haja dias em que a tristeza mostre sua beleza tão potente também. Ser bem sucedido deve ser dessas coisas que vêm embaladas em caixinhas bem pequenas, como as de jóias preciosas.

Também tenho me perguntado muito de onde vem esse desejo de sucesso, ou de chamar assim o lugar para onde meus desejos me levarem. Para quem é que quero mostrar que subi uma montanha, vi uma exposição, ou escrevi um livro? Talvez seja mais importante saber parar, descansar e, como nos lembra Susan Sontag, saber a hora de querer ser uma montanha, ou uma árvore, ou uma pedra.

Por ora, sei que essa semana foi longa e exaustiva e que eu queria ser mesmo só uma pedrinha repousada em alguma instante. É que ainda não consigo não querer poder ver o que acontece ao redor.

III

Há umas semanas, fui à Villa Ocampo, casa da grande (e, quem sabe, bem sucedida) Victoria Ocampo, irmã de Silvina, criadora da Revista Sur e importante figura da história cultural Argentina. Como museu, deixa um pouco a desejar, se você não fizer uma visita guiada, como foi o meu caso. Vacilo. Mas, de algum modo, me tocou profundamente ver onde vivia essa mulher. Os pequenos objetos nas estantes, os exemplares da revista, o banheiro, a cama tão pequena. É que grandezas também podem descansar em espaços pequeninos.

Foi interessante ver também que há espaço para o que não cabe, como os muitos exemplares de livros das Ocampo guardados em uma antiga cozinha instalada no subsolo da mansão. É que, para dizes, às vezes é preciso calar.

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IV

Amanhã vou para o Brasil. Faz quase dois anos que não piso em casa. Sinto um misto de empolgação e susto.

E uma vontade imensa de comer pamonha e pão de queijo.

V

Há uma semana tivemos o primeiro encontro do clube de leitura da Sarabatana. Discutimos Os Tais Caquinhos, da Natércia Pontes. Foi muito interessante perceber como a leitura pode levar cada pessoa a lugares e interpretações tão diferentes. A conversa, tenho certeza, fez cada uma de nós mudar de idéia, ou alargar o olhar. Ler junto é mesmo uma delícia!

Daqui a um mês, vamos discutir o Kentukis, da Samanta Schweblin. Assim como Os Caquinhos, esse é um livro perturbador, tem cara de episódio de Black Mirror e nos convida a encarar nossos íntimos impulsos de voyeurismo e exposição. Me fez pensar sobre o que conto aqui neste espaço sobre meus próprios caminhos e sobre a melancolia que deixo sair de mim nos meus textos. Não cheguei a nenhuma conclusão.

Mas já estou empolgada para o próximo encontro. Vem?

VI

Estou escrevendo um livro, como já disse por aqui, e para a pesquisa que estou fazendo para ele, perguntei no Instagram o que as pessoas enviariam numa cápsula para o espaço. As respostas foram bastante surpreendentes, tomaram rumos opostos entre o preservar e o se livrar. O que você enviaria? Me diz?

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VII

Para terminar deixo aqui uns fragmentos de um texto que escrevi semestre passado e de que gosto muito:

[…] Sentada em um banco de frente para a piscina, me vejo obcecada por meus próprios dedos. Penso que eles são miniaturas das montanhas que estão ao redor. É quase tarde e não posso parar de olhar para minhas mãos. A pele seca, recoberta por uma fina película de areia. As unhas curtas. As palmas voltadas para baixo. Em uma delas, tem uma pinta que vi nascer.

[…] 24 horas se passaram. Não lavei o cabelo. Escrevi algumas poucas linhas sem muita inspiração. Andei menos do que devia. Fiz exercício sozinha no quarto. Quis fotografar os homens que tomavam picolé na frente de uma oficina mecânica. Julguei. Fui julgada. Tenho areia nos olhos. Na boca. Ontem me engasguei de cansaço.

[…] Me olho no espelho do quarto do hotel. Tento construir o mapa que forma meu  próprio rosto. As rugas como valas cheias de terra. As olheiras escuras como uma enchente começam a avançar pelas bochechas, tomam o nariz, o queixo, a testa. Os pontos mais altos. Meus contornos se desfazem em uma nuvem carregada de todas as vidas que já ensaiei viver. Talvez seja assim a cara da minha morte, penso.

É isso! Daqui duas semanas, escrevo do Brasil. Até lá!

Anna

📚Li A Água é uma Máquina do Tempo, da Aline Motta, e me apaixonei. Que livro bonito! 

📚Também acabei The Beauty of the Husband, da minha amada Anne Carson. Acho que, nessa vida, já dancei cada um dos 29 tangos. Recomendo demais.

📚Comecei Tipos de Perturbação da Lydia Davis e Olhos d’água, da Conceição Evaristo. Depois conto o que achei, mas já adianto que ando cada vez mais apaixonada por escritos fragmentários, poéticos, curtos, sem sobras.

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