Newsletter – 10/11/23
Essa é a Newsletter da Revista Sarabatana, enviada semanalmente, sempre às sextas-feiras.
Trilha sonora para essa edição: Playlist Maggie Nelson Bluets
I
Passei quase uma semana em uma residência de escrita que foi bastante transformadora. Por seis dias, estive com outros escritores em um hotel perdido em um pequeno povoado montanhoso na província de Salta, no norte da Argentina, chamado Molinos. Passávamos o dia escrevendo a partir de provocações feitas pelos organizadores e discutindo o que escrevemos. Foi intenso. Foi lindo. Até escrevi meus primeiros versos em espanhol!
Também entrei em contato com muitas coisas que precisavam ser trabalhadas em mim e que, pela escrita, pude acessar. O coordenador da residência, inclusive, prefere chamar o evento de retiro, o que me parece realmente muito apropriado, porque escrever é também entrar em contato com o que temos de mais íntimo. É se visitar e se retirar do mundo enquanto isso.

Um dos temas que mais tratamos enquanto falávamos de nossa produção foi a escolha da linguagem que utilizamos quando escrevemos. Parece que temos uma tendência a buscar termos mais elevados e um jeito mais formal de expressão, como se isso desse ao texto um caráter mais literário. Me pergunto se é isso mesmo o que mais gostamos de ler e tendo a achar que não. Então, por que ainda fazemos essas escolhas quando escrevemos? Não tenho resposta, mas saí de Molinos com o desejo de escrever mais, explorando outras formas, e de promover encontros como esse para pessoas que escrevem em português.
Foi muito legal também poder falar da Sarabatana com pessoas da área. Realmente aprendi muito e passei a sonhar ainda mais alto. Vamos ver se alguma ideia se concretiza, seria maravilhoso poder compartilhar mais com você.
Por ora, deixo uma sugestão: escreva sobre o que te rodeia, sem descrever ou adjetivar as coisas, mostrando mais que dizendo e falando mais de sensações que de racionalizações. Quem sabe até você possa tentar sair da busca por uma narrativa linear?
II
Depois do retiro, tive mais uma semana de férias. Eu e meu companheiro nos encontramos e fomos para Cafayate, uma cidadezinha ao sul da capital de Salta, rodeada por montanhas e vinhedos. De lá vem o vinho Torrontés, uma cepa de uvas para vinho branco que só existe na Argentina e que é minha preferida.
A uma pequena distância da cidade, tem um cenário (sim, só posso chamar assim) que não parece terrestre. Montanhas vermelhas que parecem esculpidas à mão rodeiam a estrada e fazem qualquer um perder o fôlego (desculpem o clichê). Imaginei mil ficções que poderiam se passar ali. No final, acho que desenvolvi a tal Síndrome de Stendhal, se pudermos alargar um pouco o conceito, e voltei para casa doente. Talvez seja meu corpo tentando evitar a volta. Rsrsrs!
Ainda assim, pela primeira vez em dois anos, consegui me desligar a tal ponto que já não sabia que dia era. Pensei muito sobre a importância de descansar de verdade. Fiz um mini detox de internet e recarreguei as baterias. Recomendo demais!
III
Li um bocado nessas duas semanas e estou apaixonada por um livro: Bluets, da Maggie Nelson. Uma prosa poética que trata da perda de um amor através de uma obsessão, ou paixão, pela cor azul. O livro já é antigo, de 2009, mas a forma como foi escrito ainda é inovadora. Não vou dar spoilers, então, se puder, leia!
IV
Estamos, eu e Lívia, trabalhando na nossa próxima edição, a terceira e última deste ano. Prometo que vai ser um deleite!
V
Para terminar, deixo uma singela poesia em espanhol que escrevi durante a residência em Molinos:
Un libro
Como un molde de vestido de novia
Intersección entre los días y el espacio
Hiato de tiempo donde todo se da
Fragmentos de memória
Masticados hasta que pierdan el sabor
La lengua viva que llena las bocas escancaradas y flojas
Hilos que se tejen calando secretos
Una mujer que mira fijamente el espacio entre las cejas
Mientras los días transcurren en el éter
Un pez que decide volar
Toda la eternidad suspendida en un punto
Nada tiene forma
É isso. Até breve!
Anna